Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Doentes de Amor (2017): fofura na saúde e na doença

Uma comédia romântica, ou dramática, sobre um homem que precisa deixar a sua inércia de lado para assumir um amor.

Kumail Nanjiani é um comediante de stand up comedy e também é um dos protagonistas da fantástica série “Silicon Valley”, da HBO. Paquistanês de nascença, ele precisou lutar em duas frentes de preconceitos para conseguir o sucesso profissional e também o afetivo: a de sua tradicional família, obviamente paquistanesa, e também a dos norte americanos que o “receberam” em sua terra. A situação real que convergiu estas duas “lutas” em uma só é o mote de “Doentes de Amor”, facilmente a comédia romântica mais fofa e atual de 2017.

Dividindo-se entre as profissões de humorista e motorista de UBER, Kumail passa seus dias fazendo graça com sua situação de estrangeiro na terra que adotou para si, enquanto tolera os infinitos jantares que sua família prepara com o intuito de que ele conheça uma pretendente paquistanesa à contento de todos. Com medo de perder contato com seus entes queridos, já que eles deixam claro que não aceitam relacionamentos com pessoas de outras origens, ao mesmo tempo não se interessando nas postulantes que lhe arranjam desavergonhadamente, o rapaz vai levando a situação com “a barriga” até o dia em que conhece Emily (Zoe Kazan, de “Ruby Sparks – A Namorada Perfeita”), uma garota americana branca por quem se apaixona. Quando Emily fica doente de repente, Kumail se vê frente a frente com os pais da moça e precisa lidar tanto com o estranhamento inicial deles, quanto com a sua própria filosofia de vida.

Roteirizando a própria vida, Emily V. Gordon (a verdadeira Emily!!) e Kumail Nanjiani, contam a história de uma maneira extremamente leve e descontraída, mesmo que os “embates” e conflitos sejam extremamente realistas e atuais. Quando eles colocam a visão de um “imigrante” perante o julgamento dos locais e, ao mesmo tempo posicionam o julgamento da família estrangeira que não quer se misturar com a cultura e população local, o casal transforma a sua pequena situação pessoal em um filme absurdamente universal. Que fala individualmente com todos nós, nem que seja no espelho da pessoa que carrega seus problemas sempre para adiante, mesmo sabendo que o desfecho será impreterivelmente desagradável. Utilizando-se de clichês e chavões típicos do gênero, como encontros apressados e flagrantes do destino, a dupla faz uma mescla bastante interessante destes artifícios com uma boa dose de frescor, causada pela originalidade das personalidades dos protagonistas. Quando a espevitada Emily sai de cena, entram os espirituosos pais dela, que trazem consigo emoções e reações tão autenticas, que imediatamente causam uma empatia muito forte com o expectador.

Grande parte da origem dessa identificação vêm do excelente trabalho do elenco. A fragilidade que Zoe Kazan passa na interpretação é tão viva, que mesmo em pouco tempo de tela você já se preocupa com seu estado de saúde, a ponto de quase prender a respiração nos momentos mais tensos. A família paquistanesa é memorável e tanto os olhares de reprovação de Zenobia Shroff, que faz a mãe de Kumail, quanto o tipo resignado/arrependido de Anupam Kher (o pai), são, ao mesmo tempo, estereotipados e originais. A mais do que isso, é a dupla que interpreta o casal de pais de Emily que rouba a cena.  Ray Romano (da série, “Everybody Loves Raymond”) e Holly Hunter (“Batman vs Superman: A Origem da Justiça”) trazem muita vida para personagens extremamente policromáticos. Suas atitudes e características são tão imprevisíveis quanto ordinárias. Repelindo-se ao rapaz no começo e se afeiçoando a ele durante a história, a personagem de Hunter – e a atriz, porque não? – dá, sem querer, uma lição de civilidade e ternura em tempos de xenofobia e rancor.

Dois simples fatores me fazem questionar a perfeição de “Doentes de Amor”, um é seu diretor Michael Showalter (“Doris, Redescobrindo O Amor”), que não consegue fugir em absolutamente nada do convencional no visual ou na maneira de contar esta história, contentando-se em emular – bem de leve! – o estilo do conhecido diretor de comédias Judd Apatow (“Descompensada”), que também é produtor desta fita. O outro, por incrível que pareça, é a atuação de Kumail como ele mesmo. O ator até consegue ir bem nas partes mais engraçadas e surreais do filme, porém quando a trama necessita de um tom mais dramático do protagonista, infelizmente ele não entrega uma boa atuação; soando até falso, às vezes. Mas estes são poucos fatores que não desabonam em quase nada essa ótima, interessante, delicada e sentimental comédia romântica… ou comédia dramática… ou drama romântico.

Rogério Montanare
@rmontanare

Compartilhe