Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de outubro de 2017

Como se Tornar o Pior Aluno da Escola (2017): o perigo é a mensagem

Baseada no livro de Danilo Gentili, esta comédia juvenil vêm recheada de cenas polêmicas, nostalgia e uma mensagem pra lá de contraditória.

O politicamente correto é um assunto tratado com elevada controvérsia em todo o mundo. As “regras” que tangem os limites do que é apenas piada, para algo ofensivo, podem variar de acordo com a sensibilidade de cada um. Com a evolução humana durante os tempos, toda uma diversidade de pessoas vêm adquirindo e usufruindo de seus direitos legítimos e assim, muito do que era tratado meramente como gracejo no passado – como anedotas machistas, por exemplo – tornaram-se algo pertinentemente indesejável na sociedade. O humorista Danilo Gentili (“Mato sem Cachorro”) não esconde de ninguém que é um ferrenho adversário do politicamente correto e em “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola“, o filme que produz e que é baseado no livro – ligeiramente biográfico – homônimo de sua autoria, ele extrapola, propositalmente, praticamente todos os estes complicados limites do que é socialmente tolerável.

Na trama, Pedro (Daniel Pimentel) é um estudante mediano de uma escola tradicional, que perde seu pai e começa a ir mal nos estudos. Em um momento de desespero, ele encontra uma caixa antiga, que pertencia a um estudante do passado, e que contém um caderno que ensina todos os meandros para se dar bem sem precisar estudar. Junto do amigo inteligente Bernardo (Bruno Munhoz), ele parte em busca do dono do caderno e do aprendizado das técnicas para se tornar um verdadeiro mito escolar.

Com o discurso de que em sua infância, nos anos 80, tudo era mais “legal” e que naquela época todos, inclusive crianças, assistiam “Porky´s” e “Braddock” na sessão da tarde, o também roteirista Gentili abarrotou seu filme de referências e piadas que parecem ter sido escritas em uma máquina de escrever do passado. Assim a tela se enche de gente seminua, closes em órgãos genitais, palavrões em profusão, alusão à pedofilia, piadas com fezes e peidos, etc… Não que isso incomode, afinal é até difícil segurar o riso em algumas cenas, porém, o indigesto verdadeiro é a mensagem que o longa carrega e que parece ser o resultado da busca incessante pelo adverso. Não existe consequências para as transgressões cometidas pelos personagens e, mesmo travestido de protesto contra os métodos educativos padrões e em tom de absoluto humor nonsense, quando você diz em letras garrafais que o cara estudioso é um “cabaço” e que o aproveitador, mau educado, desrespeitoso e ladrão – papel do próprio Gentili, inclusive! – é o “herói” do filme, a lição aprendida, principalmente para o público alvo do longa, acaba sendo muito perigosa já que, dependendo da interpretação, ela pode desonerar até mesmo o mais vil dos crimes e criminosos.

A despeito da doutrina do longa, o estreante diretor Fabrício Bittar mostra-se um profissional bastante competente. Com tomadas laboriosas e até algumas cenas de ação bem orquestradas e divertidas, ele joga com as regras e entrega um bom material. Talvez sua qualidade mais notável seja a direção de atores, afinal todo o elenco parece muito bem, exceto o Danilo, que até brinca com sua falta de jeito na atuação. Os destaques ficam para o garoto Bruno de 12 anos, que não tem vergonha nenhuma de parecer ridículo e que é dono de um grande senso de humor, e para os já veteranos Moacyr Franco (“O Palhaço“) e Carlos Villagrán, o eterno Quico do seriado “Chaves”. Ambos interpretam funcionários da escola e o diretor Ademar, personagem que coube Villagrán é o verdadeiro herói da trama. Sua demanda por produzir bons alunos que mudarão o futuro é muito bem construída e engraçada, trazendo a melhor e a mais adoçada dose de nostalgia do filme.

Entre acertos e erros, infelizmente sobressaem os exageros de Gentili. Quando uma piada deixa de ser engraçada, passa a causar desconforto e descamba para a ojeriza, é porque algo realmente passou dos limites. “Como se Tornar o Pior Aluno da Escola” não é, nem de longe, o pior filme do ano. No entanto, mesmo eu tentando me abster o máximo possível do desgastado moralismo barato, fico com a impressão de que o longa só existe para reforçar e encorajar um infeliz e aterrorizante preceito antigo, aquele que nos espreita a todo momento nos noticiários e nos diz que “o mundo é dos espertos”.

Rogério Montanare
@rmontanare

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