Criativo, divertido, empolgante e fiel às próprias premissas, o segundo capítulo da franquia Kingsman já cria o anseio pela continuação.
O primeiro filme é tão diferenciado que pode deixar muitos com a expectativa de um segundo filme à altura. “Kingsman: O Círculo Dourado” não é tão bom quanto seu antecessor. Mas não está longe. E também é muito bom, criando o anseio de que tenha logo um terceiro capítulo.
A sinopse oficial e o trailer entregam muitos spoilers que aniquilam parte da experiência. O longa continua a saga de Eggsy (Taron Egerton, de “Voando Alto”) como um Kingsman, auxiliado e orientado por Merlin (Mark Strong, de “O Jogo da Imitação”). Após um ataque, os dois acabam precisando da ajuda de uma organização secreta de espionagem estadunidense para deter uma grande traficante de drogas, Poppy (Julianne Moore, de “Amor Por Direito”).
Sendo continuação do anterior, muito é reaproveitado, a começar pelas personagens – até mesmo o mascote JB. Se antes o arco dramático de Eggsy era referente à sua mãe, agora, é relativo à sua namorada – estranhamente, a família, antes tão prezada, simplesmente some –, o que rende também momentos levemente cômicos, como a cena do jantar. Não é esse, porém, o ponto forte do roteiro, focado na guerra às drogas. Evidentemente, não chega a ser um estudo aprofundado do tema, mas, para um filme de ação, incluir um subtexto crítico sobre as drogas lícitas (açúcar, álcool e nicotina também viciam e têm efeitos nocivos) é uma grata surpresa. Sem contar o retrato do Presidente dos EUA, fiel ao real. Para um blockbuster, vai além da maioria.
O roteiro também é engenhoso na maneira como envia Eggsy e Merlin ao Kentucky: a conexão é genial, pois feita de maneira bem orgânica, por um elemento inusitado. Em diversos momentos, o plot foge do previsível, isso é garantido. Por outro lado, Poppy é uma vilã caricata em um péssimo sentido (já que Valentine, vilão do anterior, também era caricato, mas era engraçado, o que ela não é). Sua apresentação, ao estilo “veja como sou malvada”, é de um exagero deselegante, revelando uma antagonista ególatra (Poppyland!) e pouco eficaz. Em última análise, é uma vilã que não dá medo, assim como seu capanga. Um desperdício de uma atriz gabaritada como Julianne Moore.
O elenco, inclusive, conta com outros “oscarizados” desperdiçados por participarem pouco: Jeff Bridges (“A Qualquer Custo”) e Halle Berry (“O Sequestro”). Channing Tatum (“Ave, César!”) também participa pouco – e nem faz falta, seja na narrativa, seja no talento (que ele não tem). Maior espaço tem o chileno Pedro Pascal (“A Grande Muralha”), satisfatório na atuação. Taron Egerton continua confortável como Eggsy, que agora está mais maduro tanto no lado pessoal quanto no profissional. Colin Firth (“O Mestre dos Gênios”) – mais um “oscarizado” – é sempre um esplendor de interpretação. Dessa vez, Harry foi um papel mais desafiador, demandando expor fraqueza. Firth o fez com linguagem corporal, ficando retraído, com olhar desanimado e ombros para baixo (o figurino colaborou). Há ainda uma participação inusitada e divertidíssima de um cantor famoso.
Matthew Vaughn (“X-Men: Primeira Classe”) é o responsável pelo roteiro e pela direção do primeiro e do segundo filme. A queda de nível se deve à antagonista, mas também por alguns exageros, principalmente na direção – que, porém, não é ruim, muito pelo contrário. Sua câmera é bastante movimentada, com vários travellings, inclusive aéreos; os planos não são curtos, com uma montagem que permite visualizar os acontecimentos como ocorrem. Entretanto, o diretor ficou muito dependente do CGI, o que não é condizente com um filme de espionagem que deveria ser um pouco realista. A tecnologia avança em relação ao que existe hoje (o carro do prólogo, o gel usado em quem é baleado), mas a direção deveria se esmerar para usar efeitos práticos. Por outro lado, é inegável a criatividade de Vaughn, como no laço usado por Whiskey, bem como sua destreza nas cenas de ação. O prólogo é exemplo: há uma luta dentro de um ambiente restrito, o que impõe planos fechados, sem entediar; algum slow motion, muito CGI; tudo acontece no ritmo de uma música de rock, de modo que o clímax da ação combina com um solo de guitarra.
Apesar de cansativo (duas horas e vinte de duração), “Kingsman: O Círculo Dourado” é criativo, divertido, empolgante e fiel às próprias premissas. Tão fiel que, se (quando?) anunciarem uma continuação, a expectativa não será de uma obra-prima, mas de uma produção de bom nível.