Tendo mais uma vez a repetição dos ingredientes mais populares do terror americano atual, o filme nos leva a pensar que talvez seja hora de mais uma renovação no gênero.
Uma velha casa que guarda um segredo assustador, crianças marcadas por traumas densos, pais em luto pela perda trágica de um filho ou religiosos em plena crise de fé. Esses são alguns dos ingredientes mais comuns do terror norte-americano nos últimos anos. Embora não sejam elementos exatamente novos, parte de sua consolidação (ou revival) vem do sucesso de James Wan, que começara na série Jogos Mortais e hoje já é tido como uma das referências no gênero. Inaugurando com A Invocação do Mal (2013) o universo ficcional de terror sobre o casal da vida real Ed e Lorraine Warren e seus demônios particulares, os filmes dirigidos ou produzidos por ele têm feito sucesso na consolidação de figuras icônicas no terror contemporâneo, como recentemente a freira de A Invocação do Mal 2 (2016), que ganhará um filme solo, e antes dela a boneca Annabelle, que chega agora em sua segunda produção exclusiva.
O segundo filme sobre a boneca mais assustadora do cinema atual chega três anos depois de uma estreia marcada por atuações capengas e roteiro insosso. Aparentemente tentando corrigir tais deficiências, foram escalados atores experientes, como Anthony LaPlaglia (da série Without a Trace) e Miranda Otto (Flores Raras), interagindo com talentosas atrizes mirins nunca antes vistas. O elenco inteiro, que soma mais dois personagens adultos totalmente irrelevantes, tem poucas chances de ajudar a produção, frente a um roteiro fraturado em que personagens somem ou partem do nada para lugar nenhum. Uma pena, pois aqui teríamos uma ótima chance de explorar a dinâmica de uma boneca possuída por um demônio nas dimensões simbólicas que esses filmes sempre sugerem sobre a infância, a família, a condição da mulher na sociedade, etc. Infelizmente, nem mesmo a origem da entidade maligna – sempre tão destacada nos outros filmes – é muito bem explorada, deixando a história com aquele aspecto de comida de micro-ondas em que se sabe que o gosto é mais ou menos e o valor nutricional é próximo a zero.
Samuel e Esther Mullins formam um casal tradicional do interior dos EUA nos anos 50. Ele fabrica bonecas (a sequência inicial retrata linda e assustadoramente seu ofício) e ela dedica-se aos cuidados da filha, Bee, que aparentemente tem uma saúde frágil. Quando a menina morre num trágico acidente temos o final de um prólogo insuficiente para se chamar, como o título original dá a entender, de a “criação” da mítica Annabelle. A trama então nos leva doze anos adiante, quando vemos os Mullins hospedando seis jovens órfãs, que são cuidadas pela irmã Charlotte (Stephanie Sigman, da série “Narcos“) e logo se encantam pela ampla e bem decorada propriedade. Com exceção de Janice (Talitha Baterman, “Virei um Gato“), que tem uma deficiência causada pela poliomielite. A menina logo começa a testemunhar fenômenos estranhos ocorrendo pela casa, e tenta chamar a atenção de sua melhor amiga, Linda (Lulu Wilson), para eles.
A dinâmica das duas atrizes mirins que são as protagonistas práticas da narrativa funciona muito bem, com destaque à ótima atuação de Thalita como Janice. Infelizmente, as outras quatro jovens ficam completamente soltas pela trama, e o roteiro não tem coragem de transformá-las em minions do vilão demoníaco (matando a sede de sangue da plateia desses filmes), mas tampouco lhes dá algum propósito narrativo. Quanto aos Mullins, depois que o prólogo mal ajambrado do roteiro de Gary Dauberman (IT – A Coisa, 2017) tira-os de cena, restam-lhe apenas fiapos desinteressantes de suas participações por todo o resto da história, e aspectos interessantes relacionados ao casal, como a misteriosa máscara usada por Esther, são resolvidos com soluções bastante apressadas. Se a história tivesse mirado nas garotas com algum propósito específico, a ausência dos dois melhores atores do elenco não teria sido tão sentida. Ou se o vilão funcionasse para além dos clichê dos jumpscares (os cortes secos associados a uma aparição assustadora e a elevação repentina do som no limite de causar surdez na plateia), talvez a audiência nem se lembraria da existência de uma outra história que estava sendo contada antes daquela. É essa falta de qualquer propósito no “tira e põe” de personagens que faz desse filme uma sequência mal conectada de cenas vazias, que por vezes nem ao menos funcionam na proposta de assustar.
Esse segundo “stand alone” de Annabelle ainda tenta se conectar à saga inaugurada pelo primeiro Invocação, com uma cena final que remete aos filmes anteriores. O formato de epílogo já havia sido utilizado nos outros filmes na série, mas parece deixar a plateia mais confusa do que ligada num universo ficcional que transcende a obra em questão. Talvez seja hora de assumir que não há mais camadas a se explorar com esses vilões, exceto pela criação de filmes com sustos fáceis e roteiros já conhecidos. Enquanto isso, as sequências de Invocação do Mal têm parecido promissoras, agregando camadas aos protagonistas muito bem interpretados por Patrick Wilson e Vera Farmiga. Uma pena que essa boneca horripilante, possuída por um demônio, esteja sendo usada apenas como leitmotiv para sustos bobos de uma platéia adolescente.