Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Atômica (2017): o melhor filme de ação da temporada

A narrativa é pouco consistente, porém, o magnetismo de Charlize Theron, a esplendorosa trilha sonora e, principalmente, a ação espetacular dirigida por David Leitch fazem do longa um exemplar de primeiro nível do gênero ação.

O erro mais constante dos filmes de ação é no roteiro. “Atômica” não é exceção, embora seu mote de espionagem o diferencie em relação aos demais. É o melhor do gênero na presente temporada.

A protagonista do longa é Lorraine Broughton (Charlize Theron, de “Mad Max: Estrada da Fúria”), uma agente do MI6 cuja missão é investigar a morte de um colega e resgatar uma lista com informações sigilosas. Para a tarefa, ela conta com a ajuda de David Percival (James McAvoy, de “Fragmentado”), chefe da estação local, também espião.

Lorraine é uma personagem é multifacetada: impiedosa, mas benevolente com quem merece; sensual, jamais vulgar, de maneira natural, sem usar a beleza como arma; inteligente, mas com episódios de inocência que apenas quem tem muita sensibilidade percebe. São nuances difíceis que Charlize Theron captou com destreza, mesmo que a aparência seja de seriedade constante (o xingamento cínico no início é prova da sutileza da interpretação). O magnetismo que a atriz exerce sobre o público é essencial para o êxito da obra. Por sua vez, McAvoy acerta o tom ao atribuir a Percival um ar de ressaca constante, despreocupação e arrogância, tornando imprevisível seus atos não quanto ao conteúdo, mas quanto à forma e à motivação. A decepção fica com Sofia Boutella (de “A Múmia”, versão de 2017): a atriz poderia fazer a femme fatale, se o roteiro não ficasse apenas na promessa.

Outra grande virtude da película é a direção de David Leitch, pela primeira vez dirigindo sozinho um longa-metragem – já havia trabalhado em “De Volta ao Jogo”, contudo, juntamente com Chad Stahelski. Lorraine não é John Wick, não é movida pela vingança, também é profissional, mas espiã, e não assassina. O que não significa que ela não mata ninguém – ao contrário, há muita violência e brutalidade no filme. À medida do possível, Leitch torna a ação verossímil: a espiã foi treinada para o combate, o que justifica sua habilidade na luta, todavia, ela não é uma super-heroína invulnerável, logo, ela acaba levando muitos golpes de seus adversários. Nesse quesito, a direção é despudorada. No intenso trabalho de maquiagem, o corpo de Theron aparece nu, repleto de hematomas em razão das lesões das lutas que trava. Em contraposição, o visual dela antes da missão é muito diferente: o rosto é angelical, com cabelo liso e franja virada para o lado; depois, a franja fica reta e mais longa, com fios ondulados. Na cena de afeto entre Lorraine e Delphine – que começa com uma iluminação vermelha, anunciando a paixão florescendo –, o carinho demonstrado é tórrido, com sexo e nudez, filmado à distância. A violência é explícita, com sangue jorrando na tela, em um nível visceral. Na ação, Leitch é espetacular, as coreografias de luta são excelentes. Há uma cena simplesmente soberba: um maravilhoso e hipnotizante plano-sequência que começa em um elevador, no qual Lorraine luta com vários homens, em que o espectador é conduzido pela câmera, ouvindo apenas sons intradiegéticos – foi usada a mesma técnica de gravação que Hitchcock aplicou em “Festim Diabólico“.

A trilha sonora do filme é esplendorosa. O carro-chefe é “Blue Monday”, da banda Health, porém, predominam artistas mais consolidados, como George Michael (“Father Figure”), David Bowie (a intensa “Cat People (Putting Out Fire)”) e Queen (a clássica “Under Pressure”, dividida com Bowie). Existem também canções em outras línguas, como “Der Kommissar”, da Falco. É interessante a presença da encantadora “99 Luftballons”, na versão de Kaleida: originalmente, era um protesto anti-guerra (em um filme que se passa durante a Guerra Fria) da banda Nena (e que recebeu uma versão em inglês, cuja letra é bem distinta). A mixagem de som se destaca: quando há ação e fora de um carro, a canção fica em volume alto; dentro de um veículo e sem ação, o volume fica baixo.

Quanto ao roteiro… o enredo é cativante, utilizando de maneira rocambolesca uma citação atribuída a Maquiavel. É inteligente a maneira pela qual a narrativa foge da linearidade sem se tornar confusa: o prólogo acaba se tornando o argumento; a cena seguinte é o fio condutor, referente ao presente diegético; seguem-se longos flashbacks que, como um mosaico, vão formando a narrativa como um todo, referindo-se ao pretérito diegético que a protagonista está narrando. Entretanto, o desenvolvimento do plot acaba sendo confuso: diante de tantos nomes e de uma missão que não fica muito clara (principalmente quanto ao modo de execução), há uma parte do roteiro que se torna obscura quanto ao que é central, a tarefa de Lorraine. Mais à frente, tudo fica evidente, todavia, é incômoda a falta de didática do script em certo estágio. Isso sem contar algumas estranhezas, como uma personagem que parece importante, sumindo quase o filme inteiro para reaparecer mais ao final e assumir importância nuclear na trama. É uma narrativa, enfim, pouco consistente.

“Atômica” é um filme de espionagem com uma dose explosiva de adrenalina. Não preza pelo roteiro, que, porém, não é ruim. Nos demais quesitos, é extraordinário, certamente um dos melhores filmes do ano. E o melhor no seu gênero nessa temporada.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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