Com um visual estonteante e uma trama rasa e previsível, a ópera espacial do célebre diretor francês derrapa ao se inspirar no padrão americano de fazer blockbusters.
Aos dez anos de idade, Luc Besson era uma garoto solitário que morava em uma fazenda na Grécia com seus pais. Tendo como distração um único canal disponível em sua TV sem som e sem cores, Besson teve uma epifania criativa quando seu pai um dia lhe presenteou com uma edição do famoso quadrinho “Valerian”. Ao se deparar com as histórias de um agente do espaço-tempo, que viaja pelas galáxias e também pelo passado e futuro, eliminando os perigos que podem destruir toda a vida no universo, o doravante diretor enxergou ali uma janela para o inimaginável, a fonte para a liberação de toda a sua carga de inspiração. Quarenta e oito anos depois, o agora renomado diretor volta ao mesmo material como uma espécie de homenagem, trazendo à vida aqueles personagens e histórias de “Valerian e a Cidade dos Mil Planetas”.
Livremente baseada na saga quadrinista franco-belga dos artistas Pierre Christin (escritor), Jean-Claude Mézières (desenhista) e Évelyne Tranlé (colorista), a space opera de Besson pega emprestada parte da trama contida na história “O Império dos Mil Planetas” e a transforma em um libelo anti-bélico. Com a clara intenção de expurgar na tela os malefícios do progresso, a história traz um futuro distante, em que o universo vive em uma aparente paz, até que uma força desconhecida passa a expandir seu domínio sobre uma colônia/estação espacial que é habitada por centenas de raças e espécies diferentes, vindas de todo o universo. Cabe ao Major Valerian (Dane DeHaan, de “O Espetacular Homem Aranha 2”) e a agente Laureline (Cara Delevingne, de “Esquadrão Suicida”) descobrir quem ou o que faz parte dessa ameaça e impedi-la de destruir o local.
Dona de plot simples, baseado em histórias abundantemente inocentes, o também roteirista Besson precisou “rechear” o longo filme de mais de duas horas – padrão irritante da indústria ultimamente – com toda uma sorte de artifícios baratos: um romance maçante e bastante piegas entre os protagonistas, um amontoado de piadas que não geram sequer um sorriso e o pior deles, dezenas de minutos de explicações intermináveis e tutoriais dos mais variados tipos. Se você já sabe que o grande vilão é um certo personagem – que é facilmente descoberto no cartaz do filme ou mesmo por sua silhueta e voz, logo no começo do longa – saiba que teremos um longo flashback para “desvendar” este falso mistério.
Numa constante tentativa desesperada de arrebatar os públicos dos grandes filmes de super heróis e também os apaixonados por uma outra grande saga espacial, “Star Wars” que, veja só, é bastante inspirada nos visuais e histórias de Valerian – basta “googar” as similaridades entre os designs das naves Alex de “Valerian” e Milleniun Falcon de “Star Wars”, para se surpreender com a equivalência – o diretor tentou, sem sucesso, emular as grandes características de seus “rivais”: ação, humor e história simplificada. Pesando a mão em praticamente todos os quesitos.
Se na cena inicial temos um vislumbre do que o diretor é capaz, com uma maravilhosa viagem no tempo que nos mostra como a paz universal foi instaurada, utilizando a simplicidade de um gesto sendo repetido ao som do icônico David Bowie, e logo depois nos deparamos com um delírio visual e sensorial impactante do que seria uma civilização perfeita, minutos depois somos bombardeados com atuações exageradas e um dos maiores casos de “falta de química” que já se viu no cinema. A dupla DeHann e Delevingne simplesmente derruba o filme e leva com eles boa parte da carga de sentimento que tínhamos pelo longa até ali. Mas o pior, se é que dá para chamar assim, é a tão alardeada participação da mega popstar Rihanna (“Battleship: A Batalha dos Mares”). A personagem dela, além de não ter propósito na trama, entra e sai do filme impondo um clima dramático inexistente.
É praticamente um exercício de masoquismo imaginar que tipo de material Luc Besson poderia ter entregue se houvesse acreditado mais em seu cinema, assim como fez em “O Quinto Elemento”, e menos na gana por uma mega bilheteria. Trabalhando em pólos absolutamente opostos, como na genialidade da cena do mercado, em que temos personagens em três planos diferentes no mesmo lugar e do outro lado, na extrema pobreza dos diálogos e interações entre os personagens, o diretor apostou na tão comentada “burrice” do público americano e na voracidade dos adolescentes pelas “estrelas” do momento, e assim perdeu a chance de traduzir adequadamente a mensagem tão cara e absolutamente atual que o filme e o quadrinho que o inspirou propõem. Se, como ele mesmo diz, o amor é um grande personagem e também força motriz de seus filmes, infelizmente faltou um pouco deste delicado componente nesta obra que, feita de maneira mais sentimental, poderia abrir outras grandes portas criativas para outros tantos garotos de dez… quatorze… dezoito… quarenta… oitenta anos.