Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 02 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos – A Guerra (2017): uma grande confusão interna

Apesar do título grandioso, trata-se do mais pessoal e melancólico capítulo da trilogia iniciada em 2011, fechando esta com chave de ouro em uma trama voltada para os conflitos internos do seu protagonista absoluto, Caesar.

Um plano subjetivo é quando enxergamos a cena pelos olhos de um determinado personagem. Ao colocar um longo e significativo plano subjetivo onde vemos o mundo pelos olhos de Caesar (Andy Serkis, de “O Hobbit – Uma Jornada Inesperada”), o diretor Matt Reeves deixa claro o seu recado: é pelo ponto de vista do líder da comunidade dos símios que acompanharemos esse “Planeta dos Macacos – A Guerra”.

Escrito pelo próprio Reeves ao lado de seu colaborador Mark Bombak (de “Wolverine – Imortal”), este é, sem dúvidas, o mais político dos filmes da trilogia iniciada em 2011 com “Planeta dos Macacos – A Origem” (Rupert Wyatt, 2011), o que explica um pouco a recepção morna do público estadunidense em tempos de polarização ideológica

Na trama, Caesar e sua tribo são implacavelmente caçados por um grupo de militares liderados por um homem conhecido apenas como o Coronel (Woody Harrelson, da franquia “Jogos Vorazes”). Quando um ataque com consequências trágicas coloca Caesar em uma trilha de vingança, ele passa a questionar a natureza de sua jornada e se ele e seu antigo rival, o falecido Koba (Toby Kebbell, de “Kong – A Ilha da Caveira”) são realmente tão diferentes assim.

Por mais que carregue o subtítulo “A Guerra”, o longa é bem mais focado nos conflitos interiores de seu protagonista do que nos confrontos entre humanos e símios, embora conte com duas grandes setpieces de batalha muito bem conduzidas. Nisso, trata-se de uma produção que exigiu muito de Andy Serkis e da equipe de efeitos especiais, com ambos apresentando resultados maravilhosos. Cada reação no rosto de Caesar é carregada de sentimento, especialmente de dor, seja ela física ou emocional, mostrando não só o talento de Serkis como ator, mas a evolução da tecnologia de captura de movimentos desde “Planeta dos Macacos – A Origem”.

A performance de Serkis ancora toda a narrativa, até mesmo porque, conforme colocado acima, ele é o fio-condutor desta. A luta (e eventual calvário) de Caesar entre se entregar ou não aos seus demônios interiores e a responsabilidade que ele tem para com o seu povo e sua família o tornam extremamente complexo e não é à toa que um dos seus homens de confiança chama-se Luca, em uma clara referência ao fiel brutamontes de Don Corleone, Luca Brasi de “O Poderoso Chefão” (Francis Ford Coppola, 1972).

No entanto, não se trata de um monólogo. O mundo e os personagens ao redor de Caesar são tão importantes quanto o próprio, especificamente no tocante ao seu grande rival, o Coronel sem nome – mas não sem humanidade. As interações entre protagonista e o antagonista vivido por Woody Harrelson são sempre tensas e bem executadas, e só elas já pagariam o ingresso. Harrelson faz uma figura trágica, obsessiva e eficiente, um verdadeiro contraponto para Caesar.

Interessante notar que o personagem de Harrelson é tratado pela câmera de Matt Reeves como uma encarnação monstruosa do “sonho americano”, vide sua dedicação obsessiva pelo militarismo (em uma cena espetacular, com direito ao hino dos Estados Unidos), a escravização dos símios (chegando a marcar aqueles que são seus “colaboradores”) e, é claro, o muro (pelo qual os símios têm de pagar com sangue). Uma verdadeira mistura de Donald Trump com o Coronel Kurtz (eternizado em 1979 por Marlon Brando em “Apocalypse Now”, também de Francis Ford Coppola).

Como novas adições ao elenco, temos Steve Zahn (de “Capitão Fantástico”) como Macaco Mau, e a expressiva menina Amiah Miller (de “Quando as Luzes se Apagam”) como a humana Nova. Apesar das funções absolutamente distintas dos dois personagens dentro da narrativa, o primeiro é um bem-vindo alívio cômico para o melancólico longa, enquanto a garota funciona como um elemento da inocência humana, ambos também plantam sementes para o futuro (ou passado) da franquia, aproximando-a do original de 1968, dirigido por Franklin J. Schaffner.

Apesar de um final um tanto forçado, embora prenunciado em uma linha de diálogo anterior, este “Planeta dos Macacos – A Guerra” encerra com chave de ouro essa trilogia que revitalizou a franquia, justamente no mais melancólico capítulo desta, algo ressaltado pela fotografia dessaturada do veterano Michael Seresin (“O Expresso da Meia-Noite”, “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”) e pela trilha de Michael Giacchino (especialmente remetendo seu trabalho na série de TV “Lost”).

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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