Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 12 de julho de 2017

Carros 3 (2017): um erro não compensa o outro

Tentando se esquivar da má recepção ao segundo exemplar da franquia, o longa tenta voltar às origens, mas tropeça no sentimentalismo em excesso.

Menina do olhos de John Lasseter, o CEO da Pixar Animation Studios e manda-chuva de toda a Disney Animation, a franquia “Carros” é uma grande incógnita. Se por um lado a crítica a relega à segundo plano e o público também parece pouco ligar para ela – afinal as bilheterias dos dois filmes anteriores não foram tão boas assim -, a venda de produtos licenciados é imensa ao ponto de justificar as não tão esperadas continuações. Os temas são bem definidos a cada exemplar: em “Carros 1″ o sentimento de interiorização e em “Carros 2” – o pior filme da Pixar, de longe! – a extrapolação da aventura. Aqui em “Carros 3” há um novo tema, no caso, a característica que mais salta aos olhos é o saudosismo. E talvez ela salte demais!

No plot, Relâmpago McQueen é um corredor veterano que luta bravamente contra sua aposentadoria “precoce”. Ao ser superado por carros mais modernos e velozes, McQueen tenta superar seus limites e, para isso, sua nova equipe contrata a preparadora de pilotos Cruz Ramirez (pessimamente dublada em português por Giovanna Ewbank, atriz da novela “Escrito nas Estrelas“) para auxiliá-lo nessa sinuosa jornada, que incorpora desde simuladores de última geração a até divertidas corridas rurais de destruição.

Entregando a cadeira de diretor para o novato Brian Fee, que foi responsável pelas artes dos storyboards do segundo longa, Lasseter tentou dar sangue novo à cinessérie, mas aparentemente também “encomendou” a ele toda a carga dramática que havia sido ignorada na continuação. A impressão é de que esse aspecto do longa é tão exageradamente explorado, que soa mais como uma “forçação de barra” do que emoção real, genuína. A todo momento somos bombardeados com as várias cenas do mentor do protagonista, o Doc Hudson, que na versão original era dublado pelo ator Paul Newman (“Estrada para Perdição”), que assim como seu personagem na animação, também é falecido. Apegando-se o tempo todo aos aspectos mais sentimentais da história e distanciando-se da diversão, o longa acaba truncado e seu ritmo fica comprometido.

Com uma boa trilha sonora e visuais incríveis, que em alguns momentos mais parecem filmagens em live-action, tecnicamente o filme se sai muito bem. Por outro lado, os novos personagens – com exceção de Ramirez – são mal explorados e bastante caricaturais. Não existe motivo algum para todos os pilotos mais jovens serem mal educados e arrogantes, porém, gratuitamente eles o são. Ao mesmo tempo, personagens antigos são relegados a participações tão pequenas que provavelmente só existem para agradar aos fãs mais hardcore. Mate, alívio cômico e melhor personagem de toda a franquia, ao que tudo indica, acabou levando a culpa pelo fracasso anterior e praticamente sumiu aqui. O que aumenta ainda mais a sensação de que tudo no longa precisava ser sério. Dramático.

Inferior ao primeiro e infinitamente superior ao segundo, “Carros 3” não é um filme ruim. O que mais lhe compromete são as suas ambições em se tornar um filme denso demais, quase sem respiro. A Pixar precisa urgentemente reencontrar aquele equilíbrio sensacional de um “Toy Story 3″ ou de um “Divertidamente”. Filmes que te fazem gargalhar e chorar ao mesmo tempo. Aquelas animações que mais pareciam experiências sensoriais incríveis do que propriamente um simples filme.

P.S.: A Disney do Brasil deveria rever urgentemente sua política de contratar personalidades para as dublagens nacionais de seus filmes. Sem culpa óbvia, abusando da falta de técnica e despreparo, soam risíveis e desnecessárias as participações de jornalistas consagrados e até do inesquecível narrador Sílvio Luís, como dubladores das dezenas de personagens no longa. Ouvir as vozes deles e passar parte do filme tentando descobrir/adivinhar a quem elas pertencem é um desserviço ao próprio filme. É algo que te suga para fora da narrativa instantaneamente!

Rogério Montanare
@rmontanare

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