Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 15 de junho de 2017

Baywatch (2017): poderia ser bom (mas não é)

Uma comédia de ação com humor descerebrado (às vezes legitimamente engraçado), o filme é ótimo na trilha sonora e serve como entretenimento efêmero e inócuo. Artisticamente, contudo, não tem valor algum, e infelizmente não rompe com o paradigma machista da série original dos anos 1990.

S.O.S. Malibu” está de volta: a série é um produto conhecido por vários tipos de público, inclusive pelo público que sequer teve contato direto com ela, tamanha a sua peculiaridade quando surgiu. Agora, recebeu uma repaginada cinematográfica, chegando ao Brasil com o nome original “Baywatch”. Seria o filme uma sessão com valor artístico ou entretenimento puro e vazio?

O longa acompanha a trajetória de Matt Brody (Zac Efron, de “Vizinhos”), nadador olímpico que inicia um período como trainee para se tornar salva-vidas, sob o comando do tenente Mitch Buchannon (Dwayne Johnson, de “Velozes e Furiosos 8”). Juntamente com os outros componentes da equipe, acabam descobrindo uma organização criminosa envolvida em tráfico de drogas na baía, cuja segurança deve ser assegurada por eles.

Em relação à ideia original, há um considerável giro paradigmático: enquanto a série tinha um viés mais próximo do dramático – leia-se, humorístico apenas de maneira eventual –, a versão de agora está claramente fincada no gênero comédia, ou, mais precisamente, no subgênero “comédia de ação”. Surge então uma questão primordial: consegue ser engraçado? Às vezes. As piadas são inteligentes? Praticamente nunca. Provavelmente a de maior requinte é aquela em que Dwayne Johnson se reconhece como um “Batman maior e mais moreno”. O que prevalece é o humor genuinamente descerebrado, como várias pessoas aglomeradas na praia assistindo a um jovem sofrendo com seu pênis preso numa cadeira de praia.

Não é difícil concluir que o roteiro é extremamente pobre. Não que ele contenha furos ou incoerências, mas é deveras singelo, insosso e não raras vezes pueril. Nesse sentido, a construção das personagens é pavorosa: todas arquetípicas e unidimensionais. Matt é a personificação da arrogância unida à egolatria (e Efron é um ator, no máximo, esforçado); Mitch é a encarnação da perfeição (o carisma de Johnson basta para o papel); Summer é mescla da beleza com a inteligência (Alexandra Daddario, quase repetindo o papel da saga “Percy Jackson”); C.J. é a loira de coração enorme e decote constantemente exibido (Kelly Rohrbach, estreando no cinema); Ronnie é o nerd engraçado por sempre passar vergonha (Jon Bass, do ainda inédito nos cinemas brasileiros “Loving”); e Stephanie é irrelevante (Ilfenesh Hadera, de “Oldboy – Dias de Vingança”). São muitos salva-vidas e dificilmente todos teriam o mesmo espaço, todavia, nenhum tem desenvolvimento satisfatório.

Pior ainda, as mulheres claramente têm papéis menores e são exclusivamente sexualizadas. Isso fazia sentido na época da Pamela Anderson, não mais em 2017. Talvez até fosse tolerável aquela cena em que C.J. surge em câmera lenta e de maiô vermelho ao som de “Easy” (da banda The Commodores), como uma homenagem à série e à própria Anderson. Porém, a insistência na sexualização das mulheres revela que a mentalidade pouco mudou desde a década de 1990. Prova disso é que, das três salva-vidas mulheres, as três são dispensáveis para a trama principal.

Diversamente, dos três homens, dois são essenciais (Mitch e Matt) e um serve de alívio cômico (sim, alívio cômico da comédia). Ronnie só serve para lances de “vergonha alheia”, inclusive uma cena de dança ridícula, o que não pode faltar em comédia despida de inteligência. Contudo, tanto ele quanto o filme como um todo possuem sim momentos legitimamente engraçados – a cena em que ele canta “Roar” (da Katy Perry) no chuveiro é hilária! Isto é, como comédia, às vezes o longa funciona. De todo modo, a interação entre Mitch e Matt é o que a película oferece de mais importante (tanto no quesito comédia quanto na ação), fazendo com que Matt ofusque em demasia os demais.

A direção do filme ficou a cargo de Seth Gordon, responsável por “Quero Matar Meu Chefe” e “Uma Ladra Sem Limites”. A ideia mais ousada de Gordon foi filmar com uma GoPro uma cena de esporte radical no prólogo, sugerindo criatividade, o que não se confirma nos minutos seguintes (até o final). As cenas de luta não são empolgantes e o CGI é muito fajuto (a cena do barco em chamas é quase amadora). Existem easter eggs da série original, inclusive com participações especiais, mas são bem frustrantes. Provavelmente o maior acerto de Gordon foi na trilha sonora: variada e bastante presente, vai de um hip hop contemporâneo (“Burial”, “Hypnotize”, dentre outras) até clássicos como “Say You, Say Me” (Lionel Richie), “How Deep Is Your Love” (Bee Gees) e “Wouldn’t It Be Nice” (The Beach Boys).

Embora a ausência de originalidade dos estúdios seja patológica, “Baywatch” poderia ser um bom exemplo de homenagem a um clássico revisto e atualizado – aliás, o filme poderia ser bom (mas não é). A produção preferiu manter um paradigma retrógrado e aliá-lo a um humor questionável. Deste modo, torna-se um produto de significado vazio, do ponto de vista artístico. Para quem busca, contudo, um entretenimento efêmero e inócuo, pode ter alguma utilidade.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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