Quando James Gunn veio ao Brasil e foi ovacionado pelos fãs, eu temia que talvez ele não entregasse um filme que valesse toda aquela admiração do público. Felizmente, tais receios se provaram infundados e o retorno do diretor aos Guardiões da Galáxia se mostrou um filme realmente digno de aplausos!
Um paradoxo. Assim podemos definir este “Guardiões da Galáxia Vol. 2”. De um lado, temos o trabalho mais engraçado da Marvel Studios até o momento, com uma imensa profusão de gags (visuais ou verbais) por minuto. Mas também é o longa mais emocional da companhia e não serão raros os marmanjos que sairão dos cinemas escondendo as lágrimas com os óculos 3D (aliás, o filme é um dos raros casos atuais onde os 3D realmente funciona para alguma coisa!).
Pensando sobre filme, me veio à cabeça “Melinda & Melinda” de Woody Allen, obra que explorava justamente as fronteiras entre comédia e drama. E foi justamente isso que James Gunn fez aqui. Quanto mais cômica a trama se apresentava, mas despreparado o público ficou para os elementos dramáticos, plantados com precisão milimétrica no decorrer da narrativa, uma ópera espacial com recheio de Freud.
Alguns meses após a formação dos Guardiões, estes são contratados pela raça dos Soberanos para impedir que uma fera espacial se alimente de alguns artefatos. Quando o trabalho dá errado, a trupe é caçada pelos seus outrora empregadores e acaba encontrando o sedutor Ego (Kurt Russell, de “Velozes e Furiosos 8”), que se apresenta como o pai perdido do líder da equipe, Peter (Chris Pratt, de “Jurassic World”).
A partir deste ponto, vemos os demais Guardiões lidando com seus próprios problemas pessoais. Gamora (Zoe Saldana, de “Star Trek – Sem Fronteiras”) encara a nada saudável rivalidade de sua irmã, uma enlouquecida Nebulosa (Karen Gillan, de “Doctor Who”); o guaxinim geneticamente modificado Rocky (Bradley Cooper, de “O Lado Bom da Vida”) enfrenta seu medo de abandono com o peculiar auxílio do Saqueador espacial Yondu (Michael Rooker, de “The Walking Dead”); o destruidor Drax (Dave Bautista de “007 Contra Spectre”) vê na ingênua Mantis (Pom Klementieff, de “Oldboy – Dias de Vingança”) uma lembrança da família que perdeu; e o pequeno Groot (Vin Diesel, de “xXx – Reativado”) funciona como o filho fofinho do grupo e fonte de escape do carinho que eles tanto precisam.
Como um bom mágico, Gunn nos distrai com batalhas épicas, piadas engraçadas e uma trilha sonora repleta de nostalgia enquanto conta uma história sobre pais, sejam eles ausentes, de criação, presentes, tirânicos ou incompreendidos. Os conflitos internos dos personagens se tornam tão importantes para a narrativa quanto os duelos entre incontáveis naves espaciais com efeitos sonoros de fliperamas oitentistas.
Deste modo, por mais que o público se encante com o carisma de Peter Quill, com a segurança de Gamora ou com as gargalhadas com o corpo inteiro de Drax, o que marcará a todos são as fragilidades íntimas demostradas aqui por Chris Pratt, Zoe Saldana e Dave Bautista. E quem diria que Michael Rooker, cujo Yondu no primeiro filme não ia muito além de um personagem canastrão, roubaria tanto a cena e com diálogos tão impactantes?
O filme não deixa de ser um espetáculo visual. Temos uma direção de arte que cria mundos completamente distintos e igualmente incríveis, com a arquitetura do planeta de Ego se destacando, com influências indianas e orgânicas (vejam que o piso de um edifício central tem axiomas!). A fotografia sensacional se mostra saturada de cores que beiram a barreira do psicodélico, mas já de inicio, quando uma batalha absurda irrompe entre os Guardiões e o monstro, ela já dá o recado que o filme se focará em aspectos mais pessoais – e o dourado e o azul que refletem na pele de Peter espelham suas heranças conflitantes, mostrando que tudo foi feito de caso pensado. Todas as grandes cenas de ação da produção são absurdamente diferentes entre si, ao contrário de alguns blockbusters cujas setpieces repetitivas os tornam extremamente enfadonhos.
Outro fator que contribui com a versatilidade da produção é a sua trilha sonora. Em comparação com a fita que Peter escutava no primeiro filme, esse segundo volume é menos impactante e mais reflexivo, mas até mesmo isso faz sentido dentro da narrativa, até porque aquela fita foi entregue para Peter como um presente de sua mãe em estágio avançado de câncer. E sim, mais uma vez os flashbacks com Meredith Quill (Laura Haddock, da série “Da Vinci’s Demons”) se torna parte importantíssima da “alma” da produção, amarrando muito do arco entre Peter e Ego.
Superior ao filme original por explorar ainda mais profundamente os conflitos de seus personagens e dar aos heróis um desafio digno de suas habilidades, “Guardiões da Galáxia Vol. 2” se torna facilmente um dos mais memoráveis longas da Marvel Studios.