Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de abril de 2017

Vida (2017): sobrevivendo ao encontro

Com uma profusão de referências, que vão de "Alien", "Gravidade" e até "A Bolha Assassina", o longa é bem-sucedido na criação do suspense e terror, porém esbarra na falta de carisma de seus protagonistas e falha em texto simplório.

Existe vida fora da Terra?“, a grande e velha pergunta que permeia toda a história da humanidade vêm recheada de esperança, angústias e medo. Em “Vida”, obtemos rapidamente a resposta para a pergunta primordial, porém, o filme nos propõe outra beligerante questão: será que estamos preparados para este encontro?

Em uma estação espacial internacional – muito parecida com a ISS que temos hoje – seis astronautas recebem uma cápsula, vinda de Marte, contendo uma carga extremamente especial: uma célula viva, que comprova a existência de vida extraterrestre. Recebida com alegria e até batizada por crianças da Terra com o simpático nome de Calvin, a forma de vida evolui rapidamente para uma alga (ou parecido, pelo menos). Após um acidente com a caixa de contenção, a criatura se vira contra os humanos e, a partir daí, começa um jogo de gato e rato pela sobrevivência… de ambos.

Apesar da familiaridade da trama, a forma como o roteiro trata a questão de que a criatura quer sobreviver, tanto quanto a tripulação, humaniza a história e a enriquece. Por outro lado, é bastante falha a tentativa de fabricar uma conexão do expectador com os personagens. Cenas gratuitas de nascimentos, livros infantis e até a deficiência física de um deles, soam absolutamente forçadas e fora de contexto. Em um momento de extremo suspense, por exemplo, com a criatura rondando o ambiente em que os astronautas estão confinados, o filme praticamente pausa para contar uma história desinteressante sobre o background de um dos coadjuvantes.

Dono de fotografia corajosa, apesar da inspiração demasiada no longa “Gravidade” – porém inferior -, o filme de Daniel Espinosa (“Crimes Ocultos”) ganha bastante agilidade nos momentos de ação e apreensão. O design da criatura, bastante escondida na promoção do filme, desaponta pela pouca criatividade. Porém, a maneira como o alienígena se desloca e principalmente como ele ataca suas vítimas, fazendo referências claríssimas a outra obra clássica de terror, “A Bolha Assassina” de 1958 e seu remake de 1989, é bastante eficiente e aterrorizante. O ambiente claustrofóbico da estação, já largamente utilizado em dezenas de produções sobre o mesmo tema, como “Alien – O Oitavo Passageiro” de 1979 – outra obra absurdamente referenciada aqui -, além de muito bem construído e detalhado, mostra que o artifício ainda não está desgastado e que deverá ser utilizado ainda por muito tempo.

As atuações, apesar do bom elenco, se apresentam corretas, porém contidas. Nem mesmo o expansivo  Ryan Reynolds (“Deadpool”), se faz lembrar na produção. Com nomes fortes, como o do ótimo Jake Gyllenhaal (“Animais Noturnos”), Rebecca Ferguson (“A Garota no Trem”) e Hiroyuki Sanada (“Wolverine: Imortal”), esperava-se mais personalidade e carisma dos protagonistas, sendo a natureza e a índole da criatura muito mais atraente que a de todos os outros personagens juntos. Talvez a culpa seja do texto de Rhett Reese e Paul Wernick, roteiristas de “Deadpool”, que os coloca a todo momento tendo que explicar uns aos outros – mirando o expectador – as características e processos da nave que todos deveriam saber perfeitamente.

“Vida” é uma colcha de retalhos de referências a outros filmes de terror espaciais que tanto amamos, mas também é repleto de defeitos constantes que orbitam a maioria dessa referências. Apesar do roteiro trivial e atuações acanhadas, o longa consegue sobressair de verdade no suspense, no plot e em sua climatização. Não obstante, ao final da sessão, com objetivo cumprido de forma medíocre, pelo menos o longa responde corajosamente a pergunta que propõe.

Rogério Montanare
@rmontanare

Compartilhe