Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 09 de março de 2017

Personal Shopper (2016): entre o materialismo e o espiritismo

Kristen Stewart é a melhor coisa deste disperso thriller sobrenatural, que tem uma personagem principal que merecia um filme melhor.

Após ter ganho o prestigiado prêmio César (um dos mais importantes do cinema francês) como atriz coadjuvante no maravilhoso “Acima das Nuvens”, Kristen Stewart repetiu a parceria com o diretor e roteirista Olivier Assayas neste “Personal Shopper”. O longa, no entanto, não chega nem perto do nível de excelência da colaboração anterior da dupla, muito por conta do texto excessivamente disperso de Assayas, que tenta ser tudo ao mesmo tempo e acaba entregando muito tempo de nada.

Na trama, acompanhamos a jovem Maureen (Stewart), que trabalha como compradora pessoal de uma fútil personalidade da moda para se sustentar, enquanto tenta usar suas habilidades mediúnicas para se comunicar com seu recém falecido irmão. De repente, Maureen se vê perseguida através de mensagens de texto em seu celular por um estranho, que pode ou não ser deste mundo.

Tentando criar um thriller sobrenatural e um tratado sobre a futilidade do mundo da moda, Assayas acaba com uma história frágil, que não consegue ser nenhuma das duas coisas direito. Os dois lados do roteiro, ao invés de apoiarem um ao outro, acabam se sabotando. Não existe uma homogeneidade no texto e, não raro, parece que temos filmes completamente diferentes lutando por espaço na mesma tela, o que se reflete na própria protagonista.

Maureen se mostra extremamente descontente com o seu trabalho e a falta de interesse da personagem com este lado de sua vida acaba vazando para a própria obra, tornando trechos da projeção deveras arrastados e entediantes, desaguando em um subplot que chega a ser doloroso de tão previsível. Ao investir muito tempo da narrativa com esse lado mais “mundano” do cotidiano de Maureen, a porção sobrenatural do longa acaba perdendo força e credibilidade por não se conectar com o plot mais “real”, o que é uma pena, pois Assayas soube criar ótimas seqüências de suspense, apoiadas em elementos visuais bastante sutis e efetivos (embora seu entendimento sobre espiritismo seja um pouco duvidoso, mas como não se trata de uma obra com intenções religiosas, isso não é um problema em si).

Três elementos se destacam nesta produção: a bela fotografia, especialmente nas cenas que se passam na casa do falecido irmão de Maureen; o ótimo design de produção, que estabelece muito bem as diferenças de personalidade entre seus personagens apenas através de seus cenários; e o sólido trabalho de interpretação de Kristen Stewart, com uma protagonista conflituosa que procura, de maneira quase desesperada, encontrar algo que a convença de que existe algo além do mundo fútil no qual se encontra.

A Maureen de Stewart é uma mulher que se vê deslocada do ambiente no qual se encontra, buscando por algo significativo e imaterial em meio ao oceano de materialismo no qual ela se vê jogada. A forma com que a atriz retrata este arco é, de longe, a melhor coisa do filme. Infelizmente, o modo como Assayas conduz a jornada da jovem é extremamente trôpego e, para completar, o cineasta ainda deixa a história se prolongar além do devido necessário, entregando ainda um epílogo desnecessário para um filme que não soube explorar sua ótima protagonista

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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