Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A Grande Muralha (2016): quando o resultado é entregue antes do fim

William Garin (Matt Damon) está num mundo que pensa dominar, mas longe disso. Muitas novidades são apresentadas e somos colocados em uma história de batalhas cheias de soluções extravagantes, mas muito mal distribuídas durante os três atos do filme.

Na trama de “A Grande Muralha” mostra um grupo de companheiros em terras estrangeiras em busca de pólvora, o elemento que os dará um grande futuro. O bando demonstra maturidade de batalha quando, logo nos primeiros minutos de filme, são perseguidos por uma tribo local e conseguem se desvencilhar com esperteza. Mais ainda quando enfrentam uma criatura estranha, conseguindo vencê-la. Desse último embate, apenas dois se salvam, mas são novamente perseguidos pela tribo e acabam esbarrando na tal Grande Muralha. Em uma trama que se mostra muito rapidamente, ambos descobrem que a muralha é um forte artifício de defesa da China (e do mundo!) contra uma quantidade absurda de criaturas, parecidas com as que eles haviam matado. Se junta à história a personagem Lin Mei (Jing Tian, “Identidade Especial“), uma das comandantes responsáveis por coordenar as defesas da Grande Muralha.

Logo incomoda o fato do filme parecer copiar o excelente “Pacific Rim” (“Círculo de Fogo“, de 2013). Parece tanto que poderia facilmente estar localizado no mesmo universo, apenas acontecendo vários anos antes. Não só a trama, já discutida no parágrafo anterior, mas a estrutura do roteiro, o design dos monstros, a fotografia e, sobretudo, a trilha sonora. A composição é do mesmo responsável pela trilha de “Pacific“, Ramin Djawadi, o que seria completamente normal se em vários momentos sua criação não soasse exatamente como a trilha do filme de Guillermo del Toro. Mesmo com a inclusão de tambores, que corroboram muito bem com o que está sendo mostrado em tela, as músicas faltam gritar que uma Jaeger aparecerá a qualquer momento para combater Kaiju.

A direção de Yimou Zhang (“Herói“) é bastante inventiva, todavia passa do ponto em determinados momentos como, por exemplo, no colorismo que escolhe para os trajes de seus guerreiros, fazendo-os parecer mais como tropas de Power Rangers do que realmente guerreiros chineses. Ainda que exagere, a direção e montagem impõem um bom ritmo até serem atrapalhadas por decisões do roteiro. Apesar do argumento ser divertido (mesmo não sendo original), a maior batalha é apresentada no primeiro ato, deixando nas mãos do diretor uma tarefa insalubre de esconder a todo custo os próximos confrontos ao mesmo tempo que tenta dar ritmo a um segundo ato extremamente vazio de texto. Ora Yimou Zhang atinge o objetivo com a névoa, ora com câmeras deveras fechadas, claramente escolhidas para anular a percepção do todo. No terceiro ato, quando as tomadas voltam a ser abertas e os embates voltam a ser mostrados, o filme já não tem mais a mesma força e acaba por vazar muito do CGI que se demonstrou bem camuflado em grande parte.

Matt Damon (“Identidade Bourne“) aparece bem com o protagonista William Garin, demonstrando novamente que filmes de ação e aventura são seu forte. É latente a capacidade do ator em se adaptar a esse cenário e, mesmo com a ajuda de muita computação gráfica, há espaço para o ator brilhar. Adiciona-se aqui uma habilidade que antes não se havia visto em Damon, a de manejo com arco e flecha. O estilo de arqueria utilizada para a coreografia é a chinesa que é muito bem assimilada pelo ator. Se observados os detalhes, aparece até a mão sendo jogada para trás após soltar a flecha, típico dos arqueiros chineses, bem como o tiro à cavalo e a cavalgada com uma mão só enquanto a outra empunha o arco recurvo; só não faz sentido ele já ter esse estilo no começo do filme. Pedro Pascal, que dá vida a Pero Tovar, é um bom coadjuvante, entregando bons trejeitos em seu personagem e diferenciando-se do seu trabalho nos seriados “Game of Thrones” e “Narcos“.

A respeito de uma polêmica que surgiu mesmo antes do filme estrear nos cinemas, há pouco que se possa acrescentar. Se os chineses se sentem ofendidos não há o que discutir, uma vez que eles são os maiores detentores da certeza sobre a opinião do filme ter oferecido ou não um whitewashing (quando se coloca atores brancos para fazer papéis que deveriam ser de nativos). O problema maior a ser observado é que várias das grandes soluções da trama provém do tal “homem branco” interpretado por Damon, o que realmente é chato. Entretanto, a fim de balancear o caso, nota-se também uma crítica ao colocar dois desses personagens (em um total de três) como gananciosos, um mais que o outro, no caso de Ballard (Willem Dafoe, “Homem-Aranha“). Não deixa de ser uma crítica, mesmo que muito escondida dentro de um protagonismo exagerado de William Garin em relação a Comandante Lin Mei.

Mesmo apresentando alguns erros é fácil se divertir com “A Grande Muralha“. Um filme que não perde tempo em seu começo e já coloca o espectador dentro da aventura sem nem precisar explicar muito o cenário. Peca em sua trama central e quando tenta entregar diálogos edificantes para o protagonista, deixando claro que esse não é seu foco. O roteiro tentou estragar a efetiva direção de Yimou Zhang, mas o diretor acaba conseguindo prosperar. Volta a errar em seu segmento final, entretanto o resultado parecia já estar entregue: uma grande cena de batalha (grande mesmo!), Matt Damon dando show com novas habilidades, excelentes designs de monstros, detalhes da cultura de batalha dos chineses e uma trilha que funciona, por mais que, repetindo, é herdada dos trabalhos anteriores de seu compositor. Vale a visita.

Raphael PH Santos
@phsantos

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