Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 03 de fevereiro de 2017

O Chamado 3 (2017): Coitada da Samara por ter que aturar esse filme

Com história e direção desastrosas, esta nova continuação do ótimo "O Chamado" é um péssimo exemplo de tentativa de atualização de uma franquia esquecida.

“Ringu”, filme de 1998 baseado no livro homônimo de Koji Suzuki, é a obra responsável pela “onda” de terror asiático que inundou as telas do mundo todo. As características mais marcantes deste estilo, além das crianças cabeludas (é claro!), são sua estranheza e peculiaridade, que fisgam o expectador desde o primeiro minuto, fazendo ele acreditar que uma menina fantasma pode sair de uma TV desligada ou mesmo fazer uma ligação telefônica. Com o sucesso do longa japonês pelo mundo, os executivos hollywoodianos não perderam tempo e produziram uma ótima versão da história de Samara. “The Ring” (“O Chamado” no Brasil), dirigido Gore Verbinski (da animação “Rango”) em 2002, triunfou nas bilheterias do mundo todo e não demorou muito para que uma continuação fosse encomendada, “O Chamado 2” (2005), que seguiu por um novo caminho e desagradou. Doze anos depois e após um claro desaquecimento do “estilo” – excetuando os filmes de horror coreanos, que estão em alta -, estreia a nova tentativa de resgatar o gênero: “O Chamado 3”.

Na trama, um professor de biologia (Johnny Galecki, da série “The Big Bang Theory”) encontra uma fita perdida dentro de um vídeo cassete antigo e, depois de assisti-la, cria uma espécie de estudo de campo com seus alunos de universidade. Ao mesmo tempo, Júlia (Matilda Anna Ingrid Lutz, de “L’estate addosso”) assiste ao vídeo para salvar seu namorado Holt (Alex Roe, de “A 5ª Onda”), que estuda nesta mesma tal universidade, e parte em uma investigação para tentar entender o que está acontecendo. Enquanto isso, a descabelada Samara continua aterrorizando quem ousa assistir ao seu vídeo do mal, porém, com o advento da internet e da popularização dos smartphones, tablets e notebooks, sua maldição se expande com uma facilidade muito maior do que na época das desajeitadas fitas de VHS. A ideia, interessante à primeira vista, é tão absurdamente mal explorada, que a história poderia se passar em qualquer época que não faria a menor diferença, afinal os celulares do filme estão sempre sem sinal.

O roteiro, se é que podemos chamá-lo assim, foi escrito por TRÊS pessoas: David Loucka (“A Última Casa da Rua”), Jacob Estes (“Perdido por Grace”) e Akiva Goldsman (“Eu Sou a Lenda”). O “time” falha miseravelmente em todos os aspectos possíveis na maneira de se contar uma história: os personagens são mal desenvolvidos, as regras básicas da franquia são grotescamente violadas, os diálogos beiram o risível, as situações e ações em que os protagonistas se envolvem não fazem sentido algum e, a “cereja do bolo”, eles escreveram um filme de terror que não causa medo! Somando-se a isso, ainda temos a (des)ajuda do diretor F. Javier Gutiérrez (“Três Dias”), apresentando um trabalho horrível de direção com enquadramentos bregas, sustos que não assustam ninguém e efeitos especiais feios, cafonas e dispensáveis. Uma cena em particular, o exemplo perfeito da patifaria que estes quatro profissionais cometeram no longa, mostra nossa “heroína” entrando na casa de uma desconhecida visivelmente descontrolada. Ela mexe no celular da garota – que colocou estrategicamente longe de si e à vista da outra – e se esconde em um armário enquanto a louquinha é atacada lentamente por Samara sem ao menos tentar se mover ou fugir do local. Cena mal postada e efeitos dignos do “Chaves”.

A atriz italiana Matilda Lutz e seu par Alex Roe não conseguem entregar o mínimo de empatia. Ao mesmo tempo, o ator Johnny Galecki também não se desprende do tipo nerd arrependido de The Big Bang Theory. Ninguém, entretanto, consegue se destacar tão negativamente quanto o respeitado ator Vincent D’Onofrio (“Sete Homens e um Destino”). Logo em sua primeira aparição o público vai “abaixo” com uma interpretação absolutamente caricata de um cego que consegue vigiar um cemitério.

Dono de trilha sonora chata e intermitente e três começos diferentes – o primeiro, dentro de um avião, é a única coisa boa do longa -, “O Chamado 3” tenta fazer o mesmo que “Bruxa de Blair” tentou: mudar as regras do jogo, atualizar a história e, principalmente, fazer muito, muito dinheiro com uma franquia um tanto quanto esquecida. Amando o estilo “terror asiático” e sabendo que a falha dos dois longas é incrivelmente parecida nos dois primeiros quesitos, só resta esperar por uma versão norte americana de “Sadako vs Kayako”, o incrível filme japonês que traz as fantasmas cabeludas dos filmes “Ringu” (“O Chamado“) e “Grudge” (“O Grito“) para um embate de proporções multidimensional.

Rogério Montanare
@rmontanare

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