Em atuação fenomenal, a atriz Jessica Chastain toma tanta atenção para si, que a importância de temas como venda de armas e corrupção, em plena Era Trump, acabam ficando em segundo plano.
Em tempos de crises políticas intermináveis, a sensação de que vivemos em um país único em sua capacidade de criar escândalos de corrupção e favorecimento só é suplantada pela incomum habilidade dos envolvidos nas falcatruas em se manterem inertes a qualquer tipo de acusação ou mesmo condenação.
Ao assistir filmes como “Armas na Mesa”, acontece uma espécie de “alívio” ao entender que o problema não é exclusividade de terras tupiniquins e que a complicada política norte-americana, dita a mais democrática do mundo, também sofre do mesmo tipo de praga de “gafanhotos” que voam aos montes por aqui.
Na trama, Elizabeth Sloane ou “Miss Sloane” (daí o título em inglês do filme), como insinua o título original da película, é uma das lobistas mais versáteis da política americana, ela, por se sentir diminuída de alguma forma por um senador da forte “bancada das armas”, decide apoiar o lado contrário da briga, se engajando na aprovação de uma lei que dificulta a compra de armas de fogo por americanos. Para isso, ela se utiliza de todas os recursos que possui, sejam eles legais ou ilegais, humanos ou desumanos, o que acaba constrangendo e surpreendendo sua nova equipe, que até então só trabalhava dentro das regras e que sempre perdeu suas causas. Cabe aqui uma explicação para informar ao caro leitor que um lobista é um civil, que se utiliza dos mais diversos meios para aprovar politicamente qualquer medida que venha a beneficiar a empresa, pessoa ou órgão que ele represente. Este tipo de atividade é proibida – mas feita às escondidas – no Brasil, mas é amplamente autorizada nos EUA.
Seja pelo jeito de se mover – como uma ave de rapina pronta para fisgar sua presa -, seja na maneira como demonstra e deixa de demonstrar seus sentimentos e suas angústias, a protagonista Jessica Chastain (“Interstellar”) rouba a tela desde o primeiro minuto em que aparece, até o último suspiro do filme. É com uma incrível habilidade própria de dar vida aos personagens mais diversos que a atriz interpreta uma Sloane segura e impositiva na frente de seus “lacaios” – dentre eles seu chefe (Mark Strong, de “Kingsman”) -, políticos e opositores, mas extremamente frágil e desestruturada em sua vida – ou falta dela – particular. Nas cenas com um garoto de programa (Jake Lacy, de “Carol”), onde a personagem tem a intenção de demonstrar uma espécie de praticidade robótica, buscando apenas o alívio do que ela considera, publicamente, primitivo em seu corpo, assim como o ato de se alimentar, mas que as nuances da atuação primorosa, deixam transparecer que ela, na verdade, só precisa de um abraço. Isso tudo sem ao menos dizer uma palavra.
Obstante a interpretação magistral de Chastain, o longa padece com variadas situações “espertinhas” e viradas de roteiro pouco “críveis”. O script do roteirista estreante Jonathan Perera e a direção de John Madden (“O Exótico Hotel Marigold”), parecem focados em, especificamente, dar algum prêmio a atriz, já que tudo depende de seu desempenho para funcionar. Nos míseros minutos onde ela não aparece e por consequência nos desprendemos do hipnotismo causado por seu trabalho, a trama demonstra fraqueza estrutural, se utilizando daquele manjado tipo de situação onde o protagonista pratica uma ação porque imagina que seu oponente sabe o que ele está tramando, mas na verdade essa ação era pra despistá-lo, porque ela já sabia que seu oponente suspeitaria que ação ela tomaria de véspera… e assim vai!
Outro fator relevante a se destacar no roteiro é a sensação latente de que os fatos, consequências e os desfechos apresentados ali, demonstram uma certa inocência do roteirista ou talvez seja apenas a nossa concepção regional, um tanto quanto irritante e desgastada, de que pessoas poderosas nunca perdem ou nunca são punidas como deveriam.
“Armas na Mesa” é uma obra feita para mostrar o brilho de Jessica Chastain. Ponto. Ao mesmo tempo, é um filme político sério que poderia se ater ao seu assunto principal, o lobby e a livre venda de armas, e assim causar uma discussão muito importante para o momento que a cultura americana está vivendo. No desequilibrado balanço dos dois, a atriz aparece e a urgência do longa some.