Em todas as entrevistas que deu sobre seu retorno ao papel de Xander Cage, Vin Diesel disse que fez esse filme para se divertir, algo que aparentemente conseguiu. O mesmo não pode ser dito do público que vai pagar para ver esse desastre.
A ideia original da série “Triplo X”, que nasceu em 2002, era ser uma resposta americana e radical ao britânico James Bond. Um agente secreto nada convencional movido a energéticos que faz tudo com “estilo”, seja pegar a garota ou derrubar os bandidos, com Vin Diesel no papel principal como o esportista Xander Cage. Logo de saída, o primeiro filme mostrava um Agente de terno levando bala ao tentar se infiltrar no meio de um clube underground, com Rammstein tocando muito alto e Asia Argento, filha da lenda do terror Dario Argento, no papel da parceira do herói.
Não revolucionou o gênero, nem era particularmente brilhante, mas era uma fita de ação divertida, ágil e com uma ótima trilha sonora. Diesel não voltou para a continuação, lançada em 2005 e estrelada por Ice Cube, um verdadeiro fracasso de público e crítica que tinha aparentemente matado tanto Xander Cage quanto a própria franquia.
Durante a Comic-Con Experience de 2016, foram exibidos os primeiros vinte minutos deste “xXx – Reativado”. Esse trecho inicial já indicava que a produção dirigida por D.J. Caruso (“Paranóia”) seria, no mínimo, problemática. Mesmo assim, o nível apocalíptico visto no produto final surpreendeu negativamente. Enquanto 007 se modernizou e encontrou um lugar relevante no século XXI, o Xander Cage de Vin Diesel, que deveria ser a resposta moderna ao inglês, está mais para um anacrônico Austin Powers em sua mais recente missão.
Naquilo que pode ser descrito como o pior roteiro de um blockbuster dos últimos anos, Cage, que havia forjado a própria morte, é mais uma vez recrutado pelo governo, mas não por seu velho amigo Gibbons (Samuel L. Jackson, de “Os Vingadores”), mas pela fria Jane Marke (Toni Collette, “Hitchcock”). O objetivo é recuperar um aparato capaz de controlar e derrubar satélites ao redor do mundo, com o aparelho tendo sido roubado por um grupo capaz de manobras impossíveis, tal qual o próprio herói.
Cage então reúne a sua própria equipe, que inclui a atiradora de elite Adele (Ruby Rose, da série “Orange is the New Black”), o especialista em destruir carros Tennyson (Rory McCann, o Cão de Caça de “Game of Thrones”), a cientista Becky (Nina Dobrev, da série “The Vampire Diaries”) e o DJ Nicks (Kris Wu, de “As Travessuras de uma Sereia”) para bater de frente com o time do artista marcial Xiang (Donnie Yen, de “Rogue One”), que ainda inclui o insano Talon (Tony Jaa, de “Ong-Bak”), o brutamontes Hawk (Michael Bisping, lutador de MMA) e a bela Serena (Deepika Padukone, atriz bollywoodiana), a única que parece ter algum juízo dos dois grupos, diga-se.
Se você espera alguma espécie de trama ou desenvolvimento de personagens, pode passar longe. O roteiro não faz o menor sentido, com os personagens agindo quase que aleatoriamente. As piadas não funcionam e muito menos os diálogos. Até mesmo as referências que o filme faz ao original no primeiro ato só servem para lembrar que poderíamos estar assistindo coisa melhor. Por três vezes durante a projeção, o longa muda de antagonistas e ninguém, nem mesmo os heróis, têm motivações coerentes para suas ações, tornando impossível alguma conexão com o que está acontecendo.
Isso se o público conseguisse compreender o que está acontecendo. Caruso enquadra a ação de maneira extremamente fechada e com uma montagem metralhadora de fazer inveja a Michael Bay, apenas com planos curtíssimos, às vezes com takes mais curtos que dois segundos. A geografia das cenas de ação é tão confusa que só faltava alguém atirar para a esquerda e acertar alguém na direita; na verdade, tem uma cena com uma arma automática que praticamente faz isso, em uma versão incompetente de um dos momentos mais infames de “True Lies”, filme que já era uma paródia dos clichês de ação em 1994.
Para completar a pataquada, Caruso ainda inventa de colocar estatísticas dos personagens na tela como no recente (e também horroroso) “Esquadrão Suicida”, que só servem para distrair o espectador e poluir ainda mais a tela. A péssima montagem é atravancada e o filme demora para começar (tem três cenas de introdução, além de uma chatíssima sequência de créditos iniciais), já servindo como um prenúncio do tormento que se desenrolará depois.
A produção tenta emular o sentimento de “família” existente no grupo central de “Velozes e Furiosos”, sem sucesso. Nenhum dos personagens possui carisma e mais parecem recortes de papelão do que heróis de ação. Isso inclui os incríveis Donnie Yen e Tony Jaa, reis asiáticos da pancadaria prática, inexplicavelmente desperdiçados em um filme com excesso de chroma-key de segunda e computação gráfica e cenas de ação que parecem saídas de um filme ruim para TV.
No decorrer do filme, Diesel é tratado como um presente de deus para os homens (bom, especialmente para as mulheres). Em mais um esforço frustrado de conseguir emplacar mais uma franquia fora “Velozes e Furiosos” – alguém lembra de “O Último Caçador de Bruxas” e as inúteis continuações de “Eclipse Mortal”? -, Diesel parece ter se divertido a valer. Pena ter sido o único.
P.S.: para quem esperava a alardeada participação de Neymar, ela chega a ser vergonhosa. Fica claro que o jogador não atuou ao lado de nenhum dos atores principais e sua aparição não afeta em nada o filme.