Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Eu Fico Loko (2017): história repetitiva e roteiro retalhado

O filme tem na mão alguns elementos que funcionam, como o relacionamento com a avó e a quebra da quarta parede pelo próprio Christian Figueiredo, mas o que sobressai é o roteiro falho e a direção pouco corajosa.

Personagens e produtos da web estão também gerando frutos no cinema. Primeiro foi a equipe do Porta dos Fundos (canal de esquetes humorísticas) a levar seu talento para as telonas com o filme “Contrato Vitalício“. Em seguida, a atriz e youtuber Kéfera Buchmann (do canal “5 Minutos“) estrelou o longa “É Fada!“. O filme “Eu Fico Loko“, de canal no Youtube e livro homônimos, é o terceiro dessa tendência. Nele, Christian Figueiredo tem sua vida abordada e interpretada por Filipe Bragança (de “Chiquititas“), e as histórias exploradas em seu canal e livro (o primeiro) inspiram o roteiro.

O roteiro de Bruno Garotti (roteirista de “SOS: Mulheres” e aqui também diretor) sofre ao buscar transformar causos episódicos, curtos e repetitivos em uma linha contínua de acontecimentos interligados. É a vida de um adolescente de classe média cujos conhecidos da escola caçoam de seu porte físico, dos seus gostos e da inaptidão deste em conseguir namoro. Nada de diferente para a fase da vida onde tudo parece maior do que realmente é. Porém, apesar de se mostrar extremamente costurado, o roteiro sabe seu público alvo e os demais elementos da produção buscam o mesmo.

O texto vai bem quando aposta no relacionamento do protagonista com sua avó (Suely Franco, de “Minha Mãe É Uma Peça“). A personagem é importante para influenciar ações futuras de Christian, funcionando como impulsionadora quando, por exemplo, pergunta “quando ele vai deixar de sair com a avó pro cinema e sair com uma namoradinha”. Sua mãe (Alessandra Negrini, de “2 Coelhos“) e seu pai (Marcello Airoldi, de “Malhação“) são pouco explorados, com o segundo aparecendo mais como alívio cômico durante a trama. Essa escolha de não explorar tanto os pais vai de encontro com o que é dito por Christian em seu discurso final. Se havia claramente todo esse peso dos pais em sua vida ou decisões, o roteiro não mostrou.

Um elemento que funciona é a quebra da quarta parede pelo próprio Christian que, em formato de daily vlog (câmera livre na mão e rosto em primeiro plano), interage com sua história. É provável que o retalhado roteiro se apresentasse mais coeso e direto caso o recurso fosse mais explorado ou o filme fosse desenhado totalmente em volta disso. O rapaz é carismático, comunicativo e conhece sua história melhor do que qualquer pessoa no set; vê-lo falando, mesmo que por dez segundos em cena, é um respiro na arrastada (e repetitiva) história.

Assim como o monotema que amarra o roteiro, o mesmo acontece com a direção de Garotti. Apesar de uma ou outra composição de quadro muito bem pensada, no geral, a direção é linear. Não busca trazer uma linguagem de internet para as escolhas dos takes, tampouco trabalhar um estilo mais puro, comum nos canais do Youtube. Não avança, inclusive, no uso da estética indie com a qual flerta por volta da segunda metade do segundo ato. Tal estética, quando aparece, concede ao filme um tom mais leve e menos melodramático, talvez o melhor de toda projeção, não à toa foi o escolhido para ser usado em sua divulgação.

A trilha sonora é mal encaixada, poucas vezes se relacionando com o texto das cenas. Tem impacto em apenas uma sequência, quando é usada a linguagem de videoclipe para demonstrar uma mudança na vida do protagonista. Nessas viradas do roteiro, sente-se novamente a falta da quarta parede ser quebrada, uma vez que o elemento já havia sido colocado desde os créditos iniciais.

É buscada a definição de arquétipos dos personagens que orbitam Christian para a história ter melhor compreensão pelo público geral e menos experiente, o que é bom para determinados casos e deveras utilizando em adaptações de quadrinhos, por exemplo. A tentativa falha quando o elenco não consegue acompanhar a intenção. Filipe Bragança, o protagonista, teve vasto material e é o que mais funciona dentre os jovens. A personagem Alice (Isabella Moreira, de “É Fada!”), o par romântico do rapaz, tem diálogos muito retos, faltando dar acentuação ao texto e explorar o natural, como um simples gaguejo; é fácil observar a forçada respiração para fazer o texto ser bem pronunciado, uma técnica básica de atuação que não concede à garota uma personagem próxima do real. O antagonista e sua turma cumprem o papel de buscar o maniqueísmo puro e simples. E, por fim, o grande erro na definição dos arquétipos recaem sobre a personagem Gabriela (Giovanna Grigio, de “Chiquititas“) e a ferrenha luta para transformá-la em uma MPDG (Manic Pixie Dream Girl) que, dada a idade e a dependência dos pais, mostra-se apenas como elemento de roteiro feito para encaixar esse perfil na trama e não o contrário.

Ao final, na segunda metade do terceiro ato, Christian aparece e podemos novamente respirar dentro de sua própria história. A respiração volta a ficar comprometida quando a mensagem guardada na segunda camada da trama ganha a primeira camada. Por ser famoso, Christian deu a volta por cima e agora sua vida é uma alegria tamanha ao ponto de ter uma platéia lotada de pessoas gritando que o ama; ele ganhou até um filme (!). Conhecendo pouco do discurso do vlogger e julgando-o pelo que o roteiro apresentou, é preferível que os jovens se apeguem à ideia de que o sucesso também habita no simples e no comum. As histórias pequenas e lineares são lindas e também carregam consigo o sucesso. Afinal, se todos forem famosos, ninguém será.

Raphael PH Santos
@phsantos

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