Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de janeiro de 2017

Dominação (2016): boas ideias desperdiçadas em péssima execução

Uma obra cuja proposta se mostra muito acima de sua realização, desde as primeiras concepções de sua ideia como história a ser contada, até sua versão final em tela

Temos um filme interessante”, foi o meu pensamento quando, pouco antes de sair para o cinema, li a premissa deste “Dominação” (“Incarnate”, 2016), novo trabalho do diretor Brad Peyton (“Terremoto: A Falha de San Andreas”). Uma premissa que aproveita conceitos da ficção científica para entrar de cabeça (sem trocadilhos com a trama) na angústia psicológica (reitero a ausência de trocadilho) de um bom terror? No mínimo, diferente, não? Até é, mas isso fica só no campo da proposta, uma vez que logo nos primeiros minutos de projeção é bastante perceptível que esta será mais uma daquelas obras do gênero absolutamente sem personalidade, que se apoia em clichês e mais clichês para fazer algum tipo de sentido.

No longa, Seth Ember (Aaron Eckhart, “Obrigado Por Fumar”) – ou melhor, Dr. Seth Ember – é uma espécie de “exorcista” que foge aos padrões convencionais e, com a capacidade de entrar na mente dos possuídos, os exorciza de dentro pra fora, expulsando os demônios por meio do despertar da consciência da vítima e de alguns outros métodos aleatórios e mal explicados, que não obedecem a nenhuma regra mais lógica. Enfrentando fantasmas de seu passado, ele é chamado por uma representante da Igreja para resolver o caso de um menino (David Mazouz, da série “Touch”) tomado por um demônio poderoso que pode ter ligação com sua história pessoal, e que nem o Vaticano conseguiu exorcizar.

Como em todo filme superficial do gênero, a criança também tem um “background” dramático – no melhor estilo “dad issues” –, servindo única e exclusivamente para dar uma sustentação maior à trama e evidenciando a fragilidade do texto de Ronnie Christensen (“Maré Negra”). Trocando em miúdos, um exorcista obcecado metido a cientista vai buscar resolver o caso até então insolúvel de um garoto atormentado pela ausência de uma figura paterna, tudo isso em meio a um universo cujas regras parecem não obedecer a qualquer tipo de lógica.

Vejam bem, em tese, não existe nenhum problema em dar um passado a seus personagens para que a história ganhe em dramaticidade. O problema se apresenta quando esse histórico se mostra não apenas bobo e sem criatividade, como também algo que parece querer sobrepujar a premissa inicial tão interessante da obra. De fato, em dado momento do enredo, parece sim que estamos acompanhando apenas um embate entre um adulto perturbado e uma criança traumatizada por ter os pais separados, e não de um exorcista contra um demônio superpoderoso. A partir do instante em que a trama é excessivamente pessoal, o filme perde força em sua proposta como terror e, paradoxalmente, se torna genérico e distante.

Digo isso para não entrar na enxurrada de outros clichês presentes na narrativa, a saber: o susto pelo susto alcançado somente com o aumento súbito do som e uma aparição repentina em tela, uma fotografia recheada de sombras, penumbras e tons excessivamente escuros até quando as cenas não pedem por uma abordagem estética nessa direção (cadê a aura cinza, melancólica, sombria?), diálogos mal escritos e que poderiam ser “idealizados” em qualquer guardanapo de bar (“Que os jogos comecem”? Sério?), além dos já citados personagens unidimensionais e sem nenhuma profundidade, ao contrário do que o roteiro tenta aparentar. Os pontos de virada são todos absolutamente previsíveis, inclusive o desfecho, algo que certamente os realizadores devem ter imaginado como uma “virada” fabulosa na história e uma tomada final fantástica, mas que já estava entregue desde pelo menos a metade dos 90 minutos de projeção.

Nem mesmo os bons atores e atrizes envolvidos, tais como David Mazouz (que vive o Bruce Wayne jovem na série “Gotham“), Carice von Houten (a Melisandre de “Game Of Thrones“, que aqui interpreta a mãe do possuído, Lindsey) Karolina Wydra (da série “True Blood”), Matt Nable (o Ra’s al Ghul de “Arrow”) e o próprio Aaron Eckhart, conseguem extrair algo minimamente satisfatório do script que possuem em mãos. Em determinadas cenas, é visível o esforço dos artistas, especialmente de Eckhart e Carice, em entregar uma interpretação maior e mais intensa do que o texto lhes possibilita. Assim, Seth Ember aparece constantemente com uma aparência suja, se debatendo enquanto enfrenta entidades malignas, ao passo que a personagem da atriz holandesa com frequência é enquadrada chorando desesperada por seu filho e fazendo caras e bocas, composições que soam vazias dada a fragilidade de tudo que as envolve.

Dominação” se apresenta como um filme cuja ideia aparenta muito superior à sua execução, desde as primeiras concepções do roteiro como história a ser contada, até a versão final em tela.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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