Enquanto focado na solidão de seus personagens, o filme funciona bem. O problema é quando resolve ignorar as questões inicialmente propostas e investe em uma convencional corrida pela sobrevivência.
Em 2015, a ficção científica de Ridley Scott “Perdido em Marte” conquistou o público com o conto de sobrevivência de um astronauta isolado no planeta vermelho. Agora, em 2016, o diretor Morten Tyldum (“Jogo da Imitação”) e o roteirista Jon Spaihts (que, curiosamente, trabalhou com Ridley Scott no primeiro tratamento de “Prometheus”) lança “Passageiros”, que divide com a fita estrelada por Matt Damon parte de sua premissa.
Em um futuro distante, a humanidade colonizou diversos planetas no espaço, com viagens interestelares que demoram mais de um século, período no qual a tripulação e passageiros permanecem em hibernação criogênica. Durante uma das viagens da nave Avalon, a embarcação é atingida por uma chuva de meteoros, o que acaba provocando um curto em uma das cápsulas de hibernação, justamente a que levava o engenheiro mecânico Jim (Chris Pratt), isso enquanto ainda restavam noventa anos de viagem até o destino e o despertar dos demais cinco mil passageiros.
Esse primeiro ato do filme também é o seu trecho mais interessante. O desorientado personagem vivido por Chris Pratt passa por diversos momentos diferentes até aceitar a inevitabilidade de sua situação, tentando de toda forma arrumar um meio de voltar a seu sono criogênico, sob pena de solidão perpétua no frio do espaço, tendo apenas os nada úteis computadores da nave e o barman robótico Arthur (Michael Sheen) como companhia.
Conforme colocou Aristóteles, o homem é um animal social e até mesmo a justificativa de Jim para sua viagem segue o pensamento do filósofo, afirmando que ele seria mais útil em um mundo novo, onde as coisas são consertadas e não substituídas. Uma existência solitária e sem chances de interação significativa com seus pares pode ser muito bem considerada uma tortura, pois privaria o indivíduo daquilo que o define como único, justamente a existência e o consequente olhar do outro.
Neste sentido, Pratt encarna com perfeição o desespero crescente do protagonista. O ator carrega o trecho inicial da projeção com espantosa segurança graças a seu carisma, tornando críveis as reações de Jim perante o indescritível apuro em que está.
Daí, no ato intermediário da narrativa, surge Aurora Lane (Jennifer Lawrence) e o próprio despertar da moça traz para Jim novos dilemas, morais e éticos. Ou ao menos deveria trazer. Ver as interações iniciais dos dois, como criaturas isoladas que jamais se encontrariam – ele um engenheiro mecânico de classe baixa, ela uma escritora de família rica – é interessante mas, depois do flerte inicial, acompanhar a relação se torna tedioso justamente porque na “felicidade acidental” deles (descrita assim pela própria Aurora) não há conflito ou drama.
Até mesmo uma inexplicável passagem por uma estrela está lá apenas para iluminar o caminho dos dois amantes estelares – inexplicável porque o computador os convida a acompanhar a passagem da nave pelo astro, quando normalmente os dois deveriam estar em sono criogênico, como todos os demais passageiros e tripulantes. Ou seja, o longa ignora até mesmo suas próprias regaras para gritar para o público quão feliz Jim e Aurora estão.
É neste ponto que o roteiro de Spaihts, desesperado por algum conflito, o cria da maneira mais desastrada possível e o resolve do modo mais preguiçoso imaginável, terminando de jogar fora sua interessante premissa inicial e qualquer dilema moral dos personagens, colocando-os em uma corrida desesperada para salvarem a si mesmos e às demais pessoas na Avalon, em um dolorosamente previsível terceiro ato.
O que ainda consegue tornar esse péssimo terceiro ato suportável é a química entre Chris Pratt e Jennifer Lawrence. Os dois atores funcionam bem juntos, com um puxando o carisma do outro e fazendo do casal Jim e Aurora uma dupla “querida”. Mesmo os eventuais arroubos de overacting de Lawrence mitigam, ao menos minimamente, a superficialidade do arco narrativo de sua personagem.
Quem também se destaca positivamente no elenco é Michael Sheen como o simpático robô Arthur. Mesmo se reconhecendo como coadjuvante dentro da narrativa, o ator britânico entrega uma performance surpreendentemente complexa, podendo ser possível ver até mesmo o delay na demora das respostas do barman artificial aos seus interlocutores humanos, enquanto este busca no HD pela resposta apropriada. Lawrence Fishburne e Andy Garcia também fazem pequenas participações no filme, mas tão curtas e desimportantes que mal são dignas de nota (no caso de Garcia, foi certamente o cachê mais fácil da vida do ator).
O belo design de produção do veterano Guy Hendrix Dyas (que nos brinda com a belíssima Avalon) e a bela fotografia de Rodrigo Pietro até que colaboram para tirar a direção-padrão de Morten Tyldum do marasmo. O mesmo não pode ser dito da trilha sonora de Thomas Newman, que basicamente recicla seu trabalho em “Wall-E”, algo que parece até mesmo contaminar o diretor e o roteirista, que encaixaram no meio da narrativa uma cena tão parecida com a dança no espaço entre Wall-E e Eva que estou surpreso que os advogados da Disney não tenham se coçado para entrar um processo.
No final das contas, “Passageiros” até que faz algumas perguntas certas, mas entrega as respostas mais simplórias possíveis.