Em janeiro de 2009, um avião fez uma aterrisagem de emergência no Rio Hudson. Ninguém se feriu gravemente. Em sua primeira colaboração, o diretor Clint Eastwood e o ator Tom Hanks mostram o lado humano desse verdadeiro milagre.
Ao longo de uma hora e meia de projeção deste “Sully – O Herói do Rio Hudson”, vemos o comandante Chesley ‘Sully’ Sullenberger analisar e reanalisar suas ações no fatídico dia 15 de janeiro de 2009 várias vezes. Não é à toa. Além da vida daqueles que estavam a bordo da aeronave comandada por ele também estava em jogo a vida de eventuais nova-iorquinos que pudessem ser atingidos caso o avião viesse a cair em uma das áreas urbanas mais densamente povoadas do planeta.
Os duzentos e oito segundos mais longos da vida dos passageiros e tripulantes do voo Cactus 1549 são o mote do filme, trigésimo-quinto longa metragem da longeva carreira de Clint Eastwood como diretor. Em sua primeira colaboração com Tom Hanks, que faz o papel-título aqui, o cineasta traz uma história de um herói bem humano, que questiona a decisão extremamente arriscada de ter pousado o avião em pane no Rio Hudson, mesmo que todos os passageiros tenham escapado com vida.
Além de ter que suportar a pressão do escrutínio de suas ações por parte de uma minuciosa investigação por parte das autoridades competentes, o pacato Sully ainda tem de lidar com o assédio de uma população ávida por boas notícias e especialmente por um herói.
Em uma trama focada quase que exclusivamente em seu protagonista-título, Tom Hanks se torna o foco do filme, e cada reação de Sully ao que acontece ao seu redor é um marco da competência do ator, que encarna as diversas versões diferentes de Sully, seja o piloto talentoso obrigado a tomar uma decisão impossível em meros segundos, o marido preocupado com o futuro de sua família, o homem colocado na posição de herói acidental ou o profissional que tem sua conduta julgada pelos seus superiores e por ele mesmo.
Através do estudo da quase tragédia, mostrada de modos diferentes ao longo da produção, incluindo um aterrador pesadelo de Sully sobre qual seria o pior caso possível, o longa abre três frentes diferentes, que se intercalam e afetam umas às outras no decorrer da narrativa. A primeira é focada no impacto pessoal do evento em Sully e no seu círculo mais próximo, como sua esposa (Laura Linney), o co-piloto Jeff Skiles (Aaron Eckhart) e os membros do sindicato. A despeito de jamais dividirem a tela, a dinâmica entre Hanks e Linney funciona e conseguimos enxergar nos diálogos travados entre os dois o carinho e a compreensão entre o casal, mesmo diante de uma crise. Também é ótima a química entre o protagonista e Aaron Eckhart, sendo palpável o respeito mútuo entre os dois colegas.
A segunda, com um ponto de vista mais amplo, é sobre como o público, especialmente os nova-iorquinos, reage ao evento. De repente, Sully recebe abraços e agradecimentos de estranhos justamente na megalópole que, em um passado não muito distante, sofreu um atentado terrorista onde as armas utilizadas foram justamente aviões de passageiros. São ações e gestos extremamente significativos. Até mesmo o hábito de Sully em correr quando estressado – especialmente à noite – dá ao filme a oportunidade perfeita de aterrar o personagem e colocá-lo como um homem comum ao lado dos nova-iorquinos, algo também aproveitado pelo competente diretor de fotografia Tom Stern, veterano colaborador de Eastwood, que captura a cidade de maneira magnífica.
A população precisa ver em Sully um exemplo a ser seguido de profissionalismo e dedicação e é quando se debruça nessa necessidade que o filme ganha uma nova profundidade. Como já dizia o velho ditado, feliz da nação que tem heróis, triste daquela que precisa deles.
Já o inquérito público é onde vemos o protagonista-título ganhar um antagonista. Justamente por conta do investigador-chefe Charles Porter, vivido pelo ator Mike O’Malley, adotar uma estrutura adversarial e antipática desde o primeiro frame em que aparece, este se torna o segmento mais desinteressante do longa, uma ironia tendo em vista que esse arco deveria acrescentar maior dramaticidade à trama.
De fato, tudo referente ao próprio Sully e ao resgate que se seguiu no Hudson funciona muito bem, graças a uma sólida performance por parte do elenco liderado por Tom Hanks e uma direção segura do veterano Clint Eastwood, que jamais deixa essa porção do filme descambar para o dramalhão exagerado. Existem ainda algumas rápidas tramas paralelas sobre os passageiros que embarcam no avião que ajudam a criar um maior contexto humano para o voo, em uma convenção para produções do gênero que não acrescenta muito à narrativa, mas também não incomoda.
No entanto, todas as cenas sobre o inquérito público são tratadas de maneira inexplicavelmente forçada pelo diretor, trazendo um contorno agressivo a uma história que não precisava disso. De todo modo, trata-se de apenas uma turbulência em meio a esta empreitada de Hanks e Eastwood, que é bem sucedida em seu ponto maior ao ressaltar a o lado positivo e humano da história do milagre no Hudson.