Nem o desempenho impecável de Tom Hanks salva o tom publicitário de um filme feito em todos os frames para louvar o patriotismo americano
O consagrado diretor Clint Eastwood chega aos oitenta e seis anos empenhado em continuar sua longa carreira de valorização do homem branco americano. Tanto nos filmes protagonizados quanto nos dirigidos por ele vemos sempre um quê de propaganda ao american way of life, à nação americana como “líder do mundo livre” e aos cidadãos de seu país (especialmente os homens) como exemplos de determinação e resiliência.
Algumas vezes mais polêmico, como em “Sniper Americano” (2014), outras mais contido, como em “Sully: O Herói do Rio Hudson”, Clint é um dos últimos remanescentes da geração de Charlton Heston, para quem a América é o centro do mundo. Tal ideologia, após o resultado da última eleição presidencial norte-americana, pode voltar com vigor nos próximos anos, mas hoje em dia não deixa de ser anacrônica, descompassada, cheirando a um museu velho.
Não que a história do capitão Chesley “Sully” Sullenberg não seja edificante: o piloto do voo 1549 da US Airways evitou uma tragédia de grandes proporções ao realizar um bem sucedido, porém arriscado, pouso no rio Hudson, em plena Nova York. Naquela manhã fria de janeiro de 2009, pássaros haviam inabilitado os dois motores da aeronave logo após a decolagem, mas a ação dos pilotos conseguiu poupar 155 vidas, além de outras tantas que poderiam ter sido ceifadas colateralmente se o avião tivesse caído na ilha de Manhattan.
A decisão ousada de Sully e seu copiloto Jeff Skies rendeu uma investigação da controladoria de tráfego aéreo norte-americana. As acusações eram de que, ao posar no Hudson, eles arriscaram danos ainda maiores. A perícia apontou ainda que haveria condições para que eles tivessem retornado ao aeroporto e pousado em maior segurança – esquecendo-se, porém, da variável humana diante do estresse de se tomar decisões em momentos críticos como aquele. Intercalando a investigação pública dos dois heróis com um nível mais introspectivo, que explora os questionamentos de Sully acerca de sua decisão, o filme de Clint preza pela reconstituição dos fatos, mas exagera no didatismo e nas sequências monótonas.
Vivido por Tom Hanks com o carisma de sempre e em sua primeira parceria com Clint, a surpresa é ver sua doação para o personagem. O paralelo possível é com a atuação indicada ao Oscar de Denzel Washington no excelente “O Voo” (2012), de Robert Zemeckis. Ambos excelentes, os atores pareciam acomodados na carreira, atuando em (desculpem o trocadilho) “piloto automático” em filmes que lhes exigiam pouco. Com seus respectivos “filmes de avião”, os dois atores parecem voltar à boa forma, com atuações complexas e memoráveis.
Como Sully, Hanks revela essa dedicação nos mínimos trejeitos, do tremor das mãos inseguras ao dar uma entrevista à televisão, ao tom de voz com que responde o contato com a torre de controle. Pena que a troca com os colegas de elenco não se dá no mesmo nível. Exceto por Aaron Eckhart, ciente de estar num personagem menor, mas ainda assim competente, os outros atores e atrizes estão apenas monótonos e esquecíveis, como Laura Linney como a esposa de Sully e Anna Gunn (a Skylar, de “Breaking Bad”) como uma das investigadoras.
Monótono também é o roteiro, assinado por Todd Komarnicki a partir do livro do próprio capitão Sully. A maior qualidade da narrativa é o de retornar constantemente aos minutos do acidente aéreo, a cada vez oferecendo um novo detalhe do acontecimento. Essa estrutura reforça a sensação de que eventos inesperados podem marcar o resto de nossas vidas, tal como a figura de Sully estará atrelada para sempre ao “milagre do rio Hudson”.
O resto da obra é como caminhar com um sapato velho: confortável, porém entediante. A história é bonita, mas esvaziada de maiores tensões humanas, exceto pela passagem do acidente. Até mesmo a superdimensionada que o roteiro parece dar na crise entre Sully e sua esposa é apenas desinteressante e deixa a atuação de Linney ainda mais medíocre.
Na vida real, o capitão Sully tornou-se uma das figuras mais prestigiadas dos EUA, vencedor de uma série de prêmios e honrarias e eleito pela revista Time como a segunda pessoa mais influente do mundo naquele ano. Seu sangue frio e habilidade em realizar um pouso na água, nunca antes visto nessa escala, foi um feito que entrou para a história da cidade de Nova York e da aviação.
Tal qual um Frank Capra fora de contexto, dedicando todas energias remanescentes em louvar a figura do “super-homem americano”, o filme de Eastwood é quase um institucional sobre o heroísmo dos socorristas nova-iorquinos, em clara tentativa de superar o trauma aéreo do 11 de setembro. Com isso, escancara-se a anacrônica fixação patriótica de seu realizador, a quem agora só falta dirigir um daqueles filmes de super-heróis vestidos com a bandeira americana.