Ideias interessantes são sabotadas por roteiro problemático, aquém do que as temáticas modernas propostas exigem.
O tema da invasão de privacidade no mundo moderno é algo muito debatido no audiovisual contemporâneo. Seja em obras que se propõem a debater tais influências diretamente em nosso cotidiano (como no filme “Confiar”, de 2010, e na série “Black Mirror”), ou em outras de gêneros diversos, mas que têm na tecnologia uma ferramenta presente e que faz parte da identidade cultural dos personagens envolvidos. O fato é que um produto cinematográfico não é concebido em um vácuo, ele é resultado direto de seu meio e da época em que foi pensado; as mais variadas reflexões estão aí, para todos os gostos.
Eis que na semana em que estreia “Snowden – Herói ou Traidor” no Brasil, um filme relevante nesse contexto, chega também aos cinemas brasileiros este “Invasão de Privacidade” (“I.T”, na sigla em inglês, que significa ‘tecnologia da informação’ em tradução livre, algo importante na trama), uma obra que se julga muito mais profunda do que de fato é e oferece discussões ocas e enfadonhas sobre a temática, como se o que estivesse propondo fosse algo extremamente inovador e que nenhum outro realizador jamais tivesse tido a brilhante ideia de refletir sobre. Justamente como se a obra tivesse sido concebida em um vácuo.
Aqui, acompanhamos a vida de Mike Regan (Pierce Brosnan), um milionário dono de um negócio de aviação que pretende lançar uma nova ideia que pode ser revolucionária no mercado. Quando a sua apresentação do novo empreendimento falha, o jovem da T.I, Ed Porter (James Frecheville), o ajuda e consegue resolver o problema, evitando um vexame que poderia melar a transação. Até então apenas um estagiário, Regan decide valorizá-lo e o convida para consertar problemas de Wi-Fi em sua casa, o efetivando na empresa logo em seguida. No entanto, aos poucos, Porter vai se mostrando mais perigoso do que apenas um estagiário competente em tecnologia.
O maior problema do longa reside exatamente aí. A transição entre o garoto geek que sabe tudo de computadores e o hacker com passado duvidoso é extremamente mal construída, forçando situações que em nenhum momento soam realmente dramáticas e coerentes dentro do estabelecido previamente pelo roteiro de Dan Key e William Wisher Jr. A dupla aposta basicamente em frases de efeito bregas para tentar plantar as sementes que serão colhidas lá na frente, algo muito pobre quando se pretende povoar sua história com personagens multidimensionais e imprevisíveis como o script tem a pretensão de fazer com o seu vilão. “A privacidade é um privilégio”, uma “ilusão”, são alguns dos clichês utilizados por Dan e William na tentativa de fazê-lo, algo que qualquer criança de 10 poderia ter pensado e escrito num guardanapo de restaurante.
O experiente John Moore conduz a narrativa com certa eficiência, alternando bem a paleta de cores de acordo com a situação e optando sempre por tons predominantemente cinzas e pastéis, uma escolha sóbria e que evita chamar atenção para si mesma, compondo bem o quadro. Em que pese alguns planos absurdamente pretensiosos dada a proposta apresentada de forma medíocre pelo roteiro, como o enquadramento de uma gota de sangue escorrendo pela tela do celular, o diretor consegue segurar a tensão em relativo bom nível nos momentos necessários.
Como diz a célebre frase, entretanto, não há gênio da direção que dê jeito em texto ruim. O desenvolvimento fraco de personagens, as atitudes incompreensíveis destes em momentos-chave da trama, o drama mal trabalhado, enfim, tudo joga qualquer eventual potencial que o longa tinha para ser minimamente interessante por água abaixo. No meio disso tudo, o que sobra é mais um filme abaixo da média protagonizado por Pierce Brosnan, que parece não estar sabendo escolher muito bem seus projetos nos últimos anos.