O premiado diretor exagera no estilo a fim de firmar sua assinatura no cinema e esquece do mais importante em um filme: uma boa história
Quando o dinamarquês Nicolas Winding Refn divulgou as primeiras imagens de seu novo filme, um furor de antecipação irrompeu entre os cinéfilos atraídos pelas produções chamadas de “cults”. O premiado diretor de “Drive“ (2011) parecia trazer, com “Demônio de Neon”, uma trama misteriosa em que se destacavam ainda mais os seus devaneios estéticos, já observáveis e aplaudidos desde suas primeiras obras, como “Bronson” (2008). Colorido por uma iluminação fantástica de tons escuros e muito neon (como sugere o título) esse novo filme, porém, revela-se uma inexpressiva decepção, destituída de qualquer honesta visceralidade (embora se esforce muito para aparentar alguma) ou qualquer fio de trama minimamente coerente.
Estrelado pela belíssima Elle Fanning – uma das atuais queridinhas de Hollywood que merece mais espaço como atriz e menos exploração enquanto um rostinho bonito -, a história acompanha os primeiros passos de Jesse, uma adolescente interiorana aventurando-se na selvagem indústria da moda norte-americana. De alguma forma preenchida por uma áurea especial, a menina ascende rapidamente na profissão, atraindo a inveja das colegas e tendo de fazer duras escolhas e se proteger dos perigos do caminho.
Munido de mais recursos do que alguns de seus filmes de até então, mas ainda bastante contido em seus gastos de produção, o diretor parece ter desenvolvido ao longo dos anos mais seu ego do que a competência técnica, apresentando uma obra pedante e egocêntrica do começo ao fim, que faz questão de nos lembrar a cada instante tratar-se de um filme seu, como grande auteur que Nicolas parece pensar que é.
Apesar da bem sucedida carreira até agora, um verdadeiro feito no mundo cão do cinema industrial, devemos ser honestos em dizer que Refn ainda não é muito coisa no panteão da sétima arte, longe, por exemplo, de Paul Thomas Anderson (“Magnólia”) ou até Steve McQueen (“12 Anos de Escravidão”), para ficarmos em apenas dois de seus contemporâneos. Aposto, inclusive, que muitos dos frequentadores do Cinema com Rapadura nunca tenham ouvido a seu respeito. Assim, apesar de seus bons filmes – sem dúvida, melhores do que muitos da atual safra –, há ainda uma longa jornada a percorrer na consolidação de seu nome enquanto uma “marca” cinematográfica, a despeito de sua insistência, um tanto vergonhosa, em já assinar “NWR” abaixo dos títulos de suas obras.
Desses exageros iniciais menores segue uma sucessão de desnecessidades cada vez mais incômodas que engordam o filme sem preenche-lo com nada (ou muito pouco) que realmente valha a pena. Embora sombria, de fato quase um terror, a trama é mínima, pouquíssima coisa acontece e até a movimentação da protagonista se dá entre quatro ou cinco espaços, interagindo com uma meia dúzia de personagens (algumas melhor construídas, como a Ruby de Jena Malone; outras completamente desnecessárias, como o caricatural Hank de Keanu Reeves). Piorando a situação, alguns críticos do filme questionaram a originalidade da história escrita por Refn ao associá-lo ao clipe “Best Friend” da banda californiana Foster the People, de 2014, dirigido por Brewer (veja aqui). De fato, as semelhanças são bastante problemáticas. Por fim, até mesmo a tão alardeada “ousadia estética” do diretor torna-se repetitiva, chata mesmo, depois da quinta ou sexta cena construída basicamente sobre os mesmos padrões; padrões, aliás, que ele já apresentava em “Drive” (com maior qualidade), de cenas limpas e bem enquadradas, com a ação desenrolando-se em slow-motion ao som de alguma incômoda batida eletrônica.
Mas o problema não é o filme ter tudo isso, e sim ser apenas isso. Embora tenha um bom elenco feminino – além de Fanning e Malone, outro destaque é Abbey Lee, ex-modelo profissional e que também fizera “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) –, fica claro que a história opera dentro de uma lógica masculina, incontornavelmente caindo na cilada de fetichizar as mulheres do elenco com seus devaneios aparentemente tão geniais. Assim, a escalada de exageros de Refn ascende ao nível quase insuportável da abordagem apelativa de corpos nus, sexo lésbico e até canibalismo, menstruação e um pouco de gore no final.
Claro que a genialidade de NWR pode ultrapassar qualquer capacidade de análise desse que vos escrever e o vazio da trama e da narrativa podem ter sido pensados propositadamente para emular o vazio do mundo da moda e da obsessão estética sobre o qual o filme escancaradamente se debruça de forma crítica. A relação entre as garotas, por outro lado, pode simbolizar o protesto da competição capitalista, somado à busca pelo sucesso numa era de domínio do ego. Pode ser tudo isso, contudo, me parece um pouco difícil que Demônio de Neon tenha camadas tão herméticas que só mentes muito elevadas conseguiriam captar. Se assim for, resta refletir sobre qual é o valor de um filme que fala para poucos, ou ainda, para ninguém mais além de seu próprio autor?
Não estou aqui negando qualquer camada de significado desta obra, tampouco suas possíveis qualidades que tenho certeza que outros espectadores encontraram. Refn não deixa de ser promissor, contudo é menos genial do que parece pensar ser e está vulnerável, como qualquer outro, a escorregadas pelo caminho.
E para não dizerem que fui todo pessimismo com este filme, de fato pode-se ver em algumas cenas, por mais carregadas que elas sejam, que o diretor acerta, pelo menos esteticamente. Por exemplo, é um lindo momento quando Ruby está deitada nua sobre uma cova, fumando um cigarro, em meio a um roseiral, logo depois do momento mais brutal da trama acontecer. Pena que, assim como o resto do filme, é apenas lindo e nada mais.