Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de outubro de 2016

É Fada (2016): é bomba!

Baseando sua trama e seus personagens em meras caricaturas, longa não se sustenta minimamente em nenhuma das esferas que se propõe a explorar.

Não conheço a Kéfera, muito menos o trabalho que ela desenvolve no YouTube. O pouco que sei sobre sua vida é resultado de uma rápida pesquisa que fiz antes de ver este “É Fada”. No processo, acabei por descobrir que, sim, há algum tempo, já tinha visto um ou outro vídeo em seu canal, mas nada que tenha marcado minha memória ou tivesse sido particularmente significativo, por assim dizer – o que não é nenhum demérito dela, diga-se de passagem. Em outras palavras, coloquemos da seguinte forma: não tenho bagagem alguma para julgar seu ‘carisma e talento’ como “youtuber” de sucesso que é.

A partir do momento em que ela resolve se aventurar nas salas de cinema de todo o Brasil, no entanto, contudo, porém, todavia, entretanto, não obstante, isso me dá o direito de deixar meus ‘2 cents’ sobre a obra em questão e o trabalho desenvolvido por ela nesta. Nada contra uma celebridade da web se lançar no meio cinematográfico, muito pelo contrário. Temos inúmeros exemplos ao redor do mundo onde tal projeto foi muito bem sucedido (em outros casos, mal sucedido também), não só em termos de internet, mas de artistas que ‘nasceram’ em outros meios e alcançaram o estrelato na sétima arte. O problema é que, aqui, não há basicamente nada de bom que possa ser dito em sua defesa, seja do filme em si, ou propriamente do seu ‘talento e carisma’ como atriz de comédia.

“É Fada”, baseado no livro “Uma Fada Veio me Visitar”, de Thalita Rebouças, ainda que o trailer com slogan “Kéfera é fada!” sugira algo diferente, acompanha a história da jovem Júlia (Klara Castanho), uma menina criada apenas pelo pai (Sílvio Guindane), de condições financeiras limitadas, mas com muito amor e carinho pela filha. Apesar da condição abastada da mãe (Mariana Santos), ela é completamente ausente da criação de Júlia e, quando aparece, é mais para atrapalhar do que para contribuir com alguma coisa. É aí que entra Geraldine (Kéfera), uma fada que perdeu suas asas após sugerir coisas erradas ao técnico Felipão no fatídico Brasil 1×7 Alemanha (sim, é isso mesmo), e terá em Júlia sua última chance de recuperá-las. Para isso, a fada terá que ajudar a garota com seus problemas familiares, na escola e até consigo mesma.

Dirigido por Cris D’Amato e escrito, a partir da obra literária citada, por Patrícia Andrade, Fernanda Ceylão, Sylvio Gonçalves e Bárbara Duvivier, o longa baseia simplesmente todos os seus personagens em caricaturas. Seja Júlia, a menina diferente e excluída no novo colégio, com suas ansiedades e anseios típicos da idade, sua mãe megera que mais parece a madrasta má de a “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), as patricinhas da escola, que são até mais bizarras do que as divertidamente interpretadas por Rachel McAdams e Amanda Seyfried em “Meninas Malvadas” (2004), ou mesmo a fada Geraldine, que para cada ponto de ‘fofura’ ou carisma, possui pelo menos cinquenta de ‘escandalosa’ e irritante.

Fica até difícil conseguir interpretar que tipo de mensagem o filme quer passar. “Não se aceite como você é, mude suas características para ser inclusa no grupo das garotas imbecis onde você estuda e pegue o jovem pretendido por uma delas só pra ser sacana, deixando o cara que é e sempre foi legal com você de lado“? Sim, porque por mais que, na reta final, o longa queira consertar esse tipo de situação (flertando até com um tipo raso e constrangedor de “crítica social”), o fato é que o conflito que desencadeia o desfecho da história só acontece por um desentendimento bobo entre Júlia e Geraldine, o que gera um mal-entendido no grupo das meninas e descamba também pro lado familiar, e não exatamente por uma mudança interna e real da protagonista (ou mesmo da fada, que fosse).

Sem graça, com soluções que beiram o ridículo para os problemas que a trama propõe ao longo dos pouco mais de 80 minutos de projeção, “É Fada” não consegue se sustentar minimamente nem como comédia, nem como fantasia, nem como um pretenso ‘drama social/familiar’ e muito menos ainda como cinema.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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