Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 06 de outubro de 2016

Meu Amigo, o Dragão (2016): um feel good movie tímido e obsoleto, porém agradável

David Lowery é o responsável pelo longa como diretor e como roteirista. Na primeira função, seu trabalho é ótimo. No roteiro, todavia, deixa muito a desejar por não ambicionar reflexões no público. A mensagem é passada, mas sem a intensidade desejável.

Usando como parâmetro o ótimo “Zootopia”, “Meu Amigo, o Dragão” é um filme obsoleto. Os dois têm os elementos fantasiosos que são pilares dos estúdios Disney, porém, enquanto aquele investe no senso crítico (o que não deve ser dispensado de espectador algum, de qualquer idade), este representa um retrocesso no quesito.

Na trama, após um acidente de carro, Pete (Oakes Fegley) se torna órfão e desenvolve uma amizade com o dragão Elliot (nome dado pelo garoto), que passa a proteger o garoto. Graças à habilidade de camuflagem que Elliot possui, os dois conseguem viver escondidos da sociedade em uma floresta, até que o garoto é descoberto pela guarda florestal Grace (Bryce Dallas Howard), que procurava por Natalie (Oona Laurence) e desconhecia a existência de Pete até então. A partir disso, o menino é levado para a civilização, sofrendo pela ausência de seu dragão, que também sofre sem o seu amigo.

O prólogo consegue resumir o significado completo do longa: de um lado, uma ótima direção, de outro, um roteiro modesto. Como elo, um só nome: David Lowery.

Como diretor, seu trabalho é formidável. No caso específico da sequência inicial, a delicadeza pela qual uma cena dramática (a do acidente) é exposta ao espectador é simplesmente exemplar: atenuou-se a tragédia sem prejuízo do seu simbolismo no enredo e da sua função como engrenagem narrativa. Em seguida, há uma cena de suspense, que se reduz na progressão exata, compatível com a relevância do momento. O filme prossegue com elipses didáticas, tudo na medida certa. Ou melhor, quase tudo: Lowery erra na proporção do animal fantástico, que parece mudar de tamanho em algumas cenas. Todavia, o que prevalece é o acerto, como a divertida cena de Pete com o ônibus escolar – a simbologia também é inteligente: ele até pode estar próximo das outras crianças, mas jamais pertencerá ao mesmo universo. O 3D se faz notório exclusivamente em uma cena de vôo do dragão, ainda no início – e também, negativamente, nos poucos planos de fotografia escura, em que os óculos de tecnologia 3D prejudicam a nitidez da imagem.

A fotografia é muito boa, com êxito de destaque na imersão do público na linda floresta – claramente o foco do design de produção, além, é claro, do dragão, que executa com folga a tarefa de parecer amigável (até em nível exagerado, insistindo na associação mais do que evidente com um animal de estimação qualquer). Por sua vez, a trilha sonora é, no geral, bem escolhida, inclusive com letras compatíveis com os momentos vistos. No elenco, o carisma de Fegley e Laurence, ainda que não chegue aos pés de um Jacob Tremblay, consegue ofuscar uma Bryce Dallas Howard no piloto automático e um Karl Urban sofrível. Robert Redford parece interessante ao encarnar personagem diferente das que costuma (que encanta as crianças, mas que é visto pelos adultos como um idoso que já perdeu a lucidez), todavia, não tem espaço para ser interessante. Boa mesma é a direção. Boa não, ótima. Já o roteiro…

O autor da obra original foi Seton I. Miller, todavia, Lowery exerceu sua margem de liberdade. Tendo um argumento singelo e com uma ingenuidade marcante, a opção foi por manter o roteiro na mesma linha. É possível vislumbrar, lateralmente, uma mensagem de proteção ambiental, enquanto a temática essencial é mantida. No primeiro caso, existem relances de uma conscientização ambiental, que toma forma em uma das personagens, que lembra um pouco aquela vivida por Jack Black no “King Kong” de Peter Jackson. Aliás, é uma personagem que corporifica o maniqueísmo da película. Contudo, o que é central é a valorização de tudo que não é empírico. O mote do filme relaciona-se à fertilidade da imaginação e na sua necessidade – também há um suave flerte com a religiosidade (ou, de forma mais ampla, de filosofias de cunho espiritual e/ou metafísico) no discurso de afastamento entre visão e existência.

Nada disso é ruim. Ora, tratando-se de um filme de fantasia dos estúdios Disney, o que foi mencionado está (literalmente) dentro do script. Na verdade, incentivar crianças (e – por que não? – adultos) a ampliarem seus horizontes existenciais é positivo. Valorização da amizade, importância da família… um blend clichê, mas bastante agradável e com a sua relevância. O que é ruim é parar aí. É reconfortante a mensagem bondosa, entretanto, torna-se pouco ambiciosa. Exemplo: ganância é algo ruim, representa uma atitude a não ser seguida. Por quê? Quais as consequências? Especificamente no que se refere ao público infantil, há o aprendizado, todavia, sem estimular a reflexão.

A previsibilidade entediante do desfecho quase some diante de uma fascinante última cena. Quase que se pode afirmar que a última impressão é a que fica. “Meu Amigo, o Dragão” cumpre a proposta de feel good movie tranquilamente, é, sem dúvida, um filme leve e agradável. Porém, representa um entretenimento efêmero cuja timidez decepciona.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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