Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Cegonhas (2016): filme tem muito mais a oferecer do que personagens fofos

Animação é uma boa surpresa em um ano forte para o gênero.

Era difícil imaginar que a animação “Cegonhas” seria dos filmes mais bacanas de 2016. Em um ano de vários filmes aguardados no ramo das animações, poucos davam bola para “Cegonhas“, já que em 2016 chegaram os populares e excelentes “Procurando Dory” e de “Zootopia“. Além do mais, os trailers e materiais promocionais não vendiam o filme direito: parecia uma animação genérica e feita exclusivamente para o público infantil, mas logo nos primeiros minutos nota-se algo diferente, uma história original, feita com o coração, mas também com a razão e com uma premissa espetacular.

Na animação, as cegonhas fazem o trabalho de distribuição de bebês em seu nascimento, mas logo no início do filme elas mudam de ramo e realizam o trampo de entrega de mercadorias, como o comércio eletrônico que temos hoje. A cegonha Junior é o braço direito de Hunter, diretor da empresa de entregas e está de olho em uma promoção, mas, para alcançá-la, precisa demitir a humana Tulip, que, segundo o próprio diretor, atrapalha o rendimento da empresa. Algo dá errado, Tulip e Junior se perdem e são caçados, tanto por Hunter e sua equipe, quanto um grupo de lobos (ou o “bando de lobos”, como são chamados).

Cegonhas” é dirigido, produzido e escrito por Nicholas Stoller (“Vizinhos 1 e 2“) e Doug Sweetland (que já comandou o curta da Pixar sobre o coelho “Presto“). Aqui fazem um trabalho muito interessante de não explicarem demais a história, ao passo que conseguem desenvolver bem os seus personagens e equilibrarem e dividirem os arcos, tanto das cegonhas, quanto dos humanos e lobos.

Há várias camadas no roteiro do filme que podem passar despercebidas, mas que transmitem uma boa mensagem aos menores. Dá para fazer algumas associações com o mundo real e que muitos filmes “de adulto” não mostram, como a relação implacável de uma grande empresa e o jogo de interesses no mundo empresarial. O roteiro ainda brinca com o fato de as crianças não acreditarem mais na história das cegonhas no nascimento de uma criança. O garoto Nate parece ser um dos poucos resistentes e insiste com seus pais para escrever para as cegonhas lhe trazerem um irmão.

O fato de Nate querer “escrever” é outra coisa bacana do roteiro: não mandamos mais cartas para nos comunicar. Tudo é feito por meios eletrônicos. Há uma cena em que uma carta realmente chega aos correios, mas divide espaço com as centenas de correspondências de produtos online. A relação de Nate com os seus pais é mostrada aqui de forma humana, verdadeira e que tem muita relação com a realidade de várias famílias por aí: os pais não têm tempo para cuidar de seu filho por causa da correria do dia-a-dia e a criança, sozinha, prefere o mundo fantástico ao real.

Não é muito difícil de se identificar com essa trama familiar, mas não é a única trama identificável aqui: Tulip é excluída pelos seus colegas de trabalho (na verdade, pelas cegonhas) e discriminada pelo seu rendimento, mas ela jamais conseguiu fazer outra coisa na vida e ela mesma não sabe de suas qualidades, embora tenha grandes motivações. Quem nunca foi subjugado na escola ou no ambiente de trabalho?

Há alguns alívios cômicos em “Cegonhas” e eles funcionam simplesmente porque não quebram a história. Essa mudança entre o drama e a comédia é muito visível na paleta de cores, que intercala entre o colorido e o sombrio em alguns momentos, e a boa trilha sonora dos irmãos Danna, que também assinaram a trilha de “O Bom Dinossauro“, contribuem também para esta mudança.

A dublagem brasileira é excelente, mas, quem puder ver legendado, porque há nomes bacanas como Ty Burrell (de “Modern Family“), Jennifer Aniston, Danny Trejo, entre outros.

“Cegonhas” não é um filme apenas para crianças. Você vai se surpreender com uma história honesta, inteligente e com metáforas para o mundo adulto.

Raphael Brito
@rafalbrito

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