Simples em sua proposta e raso em seu enredo, longa se sustenta no talento e carisma de seu ator protagonista, entrelaçando a ficção e a realidade da carreira do artista.
O discurso inicial do personagem de Mel Gibson neste “Herança de Sangue” resume bem do que se trata o filme e a mensagem que este quer passar – pelo menos na maior parte do tempo. Em uma reunião de viciados em drogas em recuperação, John Link (Gibson), um cinquentão/sessentão de cabelos grisalhos, forte e mal-encarado, basicamente diz que já fez muita besteira na vida, que não pode consertá-las e que terá de conviver com este seu lado escuro até o fim de seus dias. Ainda que as palavras saiam de sua própria boca, ou seja, ele mesmo reconhece que não é uma “boa” pessoa, é difícil não se conectar imediatamente com o drama de Link. Neste sentido, o carisma de Mel Gibson salta a tela, e qualquer semelhança com as reais polêmicas protagonizadas pelo ator em sua carreira não é mera coincidência.
Dirigido pelo francês Jean-François Richet, a partir do texto de Andrea Berloff (roteiro) e Peter Craig (romance e roteiro), “Herança de Sangue” acompanha justamente a história deste homem de meia idade, ex-presidiário e que hoje vive de tatuar pessoas em um trailer no meio do nada, onde divide espaço com outros homens em situação semelhante, de modo a formar um grupo onde todos eles se protegem entre si.
A primeira cena do longa, no entanto, mostra uma jovem, Lydia (Erin Moriarty), junto a uma gangue sendo coagida a matar uma mulher para que o grupo consiga uma informação. Recusando-se a fazê-lo, ela acaba por atirar no líder dos criminosos, seu namorado, e foge do local desesperadamente, indo parar no único lugar do mundo onde ela acredita poder ter, nestas circunstâncias, alguma esperança de continuar viva: o trailer/casa de seu pai, com quem há anos não mantém nenhum contato, John Link. A partir de então, caberá ao personagem de Gibson ser o protetor da própria filha nesse grande jogo de gato e rato, tendo que libertar de dentro de si um lado seu que ele preferia deixar adormecido.
Mesmo com 60 anos, desgastado pelo tempo, e com a carreira envolta em polêmicas, “Herança de Sangue” é a prova de que Mel Gibson ainda consegue segurar um “filme de brucutu” com segurança. Sem muitas camadas ou mensagens escondidas por trás de seu enredo raso, o longa nada mais é do que uma grande sequência de ação de quase 90 minutos, onde os tiros e a pancadaria são tão protagonistas quanto pai e filha, Link e Lydia. Quanto tenta tornar a trama um pouco mais complexa do que de fato ela é, com chefes de cartéis, personagens secundários desinteressantes e “plot twists”, o roteiro escorrega e quase põe a perder a sua maior virtude: o descompromisso com a formalidade e o foco em seu grande personagem, que, por muitas vezes, por seus dramas, conflitos e fase da vida, se confunde com o ator que lhe interpreta.
Além disso, toda a motivação da história passa pelos conflitos desencadeados pela jovem Lydia, que jamais se mostra uma personagem cativante o suficiente para que torçamos por ela particularmente – se o fazemos, é por causa do John Link de Gibson e nada mais. A relação com o pai, inclusive, é muito pouco explorada e, para que o longa funcione do ponto vista emocional neste sentido, este era um elemento essencial a ser trabalhado, especialmente tendo em vista o seu desfecho e a cena que encerra a obra, fazendo uma ponte com a sequência inicial.
Dessa forma, se você está com saudades do talento e carisma de Mel Gibson em tela, distribuindo tiros, porradas e cara feia para inimigos ou mesmo antigos amigos, “Herança de Sangue” é um filme que certamente aliviará um pouco esta saudade. Se, por outro lado, estiver buscando um longa de ação com um pouco mais de conteúdo, reflexivo e múltiplas camadas, temo que seja melhor procurar outra opção – o que não é demérito nenhum da presente obra (estes são os já citados), apenas algo que ela não se propõe a ser.