Filme com mais cara de Carlos Alberto Parreira do que de Telê Santana.
O futebol é uma das mais importantes manifestações culturais do Brasil. Ele reflete bem vários aspectos sociais de cada época, além de ser uma forte ferramenta de manipulação política. Todos esses aspectos juntos atingiram seu auge com a conquista do tricampeonato da Copa do Mundo, em 1970. A maior parte da população ficou feliz com a conquista daquele time perfeito, que foi usado pelo Regime militar para ofuscar os Anos de Chumbo, em que as torturas, sequestros e assassinatos estavam ocorrendo cada vez mais. E como símbolo da terceira conquista, o Brasil ficou com a desejada taça Jules Rimet em definitivo. No entanto, esse objeto de desejo foi furtado da sede da CBF no Rio de Janeiro no fim do ano de 1983. Vendo o potencial dessa história, Caito Ortiz escreveu (em parceria com Lusa Silvestre) e dirigiu “O Roubo da Taça”, uma comédia de erros recheada de estereótipos e alguns fatos históricos.
O filme conta a história de como Peralta (Paulo Tiefenthaler), um simples corretor de seguros apaixonado por futebol, decidiu roubar a taça para poder pagar suas dívidas com o perigoso Bispo (Hamilton Vaz Pereira), dono de um cassino clandestino, e ter uma vida melhor com sua esposa Dolores (Taís Araújo). Com a ajuda do amigo Borracha (Danilo Grangheia), os dois conseguem levar o troféu, porém se metem numa furada atrás da outra enquanto procuram alguém para comprá-la.
O roteiro apesar de bastante linear, desenvolve bem seus personagens, especialmente o casal protagonista. Peralta é o típico estereótipo do malandro carioca: gosta de enrolar no trabalho, sempre que pode escapa da mulher para beber com os amigos, jogar e torcer pelo Flamengo. Dolores segue o mesmo caminho: é a mulata de corpo perfeito e que não tem o menor pudor em usar seu charme e dotes físicos para conseguir o que quer. Mesmo assim, é visível que os dois, apesar de seus imensos defeitos, se gostam bastante.
Um dos pontos altos da trama é o entrelaçamento de fatos com a parte ficcional, principalmente pelo fato de que os momentos mais absurdos são aqueles reais, como a facilidade com que os ladrões entram na sala da presidência da entidade e levam um objeto de tão alto valor, tanto financeiro quanto simbólico, ou as trapalhadas que os dois ladrões enfrentam na busca de um comprador (em especial a participação do funkeiro Mr. Catra).
Outro aspecto positivo é a quantidade de ideias mirabolantes de Peralta para ficar rico. Além de enriquecer a construção o personagem, são passagens que geram boas risadas, como a tentativa de arregimentar parentes para um esquema “infalível” de pirâmide ou de enganar enfermeiras em postos de doação de sangue para conseguir folga no trabalho.
O elenco demonstra uma boa sintonia e colaboram com a construção da história. Milhem Cortaz e Otto Jr. convencem como os dois policias responsáveis pela investigação, sendo o primeiro alvo de constantes piadas e gozações tanto por parte da imprensa como de seus superiores. Stepan Nercessian interpreta o presidente da CBF sempre verborrágico e pomposo em entrevistas, apesar de ser bem diferente quando os repórteres se afastam. Se Hamilton Vaz Pereira rouba todas as suas cenas como o ameaçador Bispo, Pedro Wagner não fica atrás, como seu sempre presente assecla, que adora humilhar e perseguir Peralta. E, completando o elenco, Fabio Marcoff se diverte como o famigerado argentino que se dispõe a comprar a Taça. No entanto, o grande destaque é mesmo Paulo Tiefenthaler (o que é realmente um grande mérito em meio a tantos bons trabalhos). O ator se entrega de tal forma ao papel e à construção de seu personagem que chega a ser difícil imaginar que ele realmente não seja daquela forma em seu dia a dia.
A recriação de época demonstra um excelente trabalho da equipe de Direção de Arte, com orelhões, caros de placas amarelas, roupas e penteados típicos da época, além de equipamentos “pré-históricos” como tvs preto e branco ou máquinas de escrever.
Infelizmente, a condução da história deixa um pouco a desejar. Apesar de uma boa direção de atores, Caito Ortiz peca ao deixar que o filme perca um pouco do seu ritmo, chegando a soar maçante em alguns momentos. Caso fossemos fazer uma comparação futebolística, “O Roubo da Taça” estaria mais próximo da seleção de 94, quando objetivos foram atingidos mas sem encantar muita gente do que do histórico time de 82, que, apesar de não ter ganho a Copa do Mundo (azar da Copa do Mundo), encantou a todos e até hoje deixa saudades, mesmo em quem não estava lá na época.