Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 06 de setembro de 2016

Café Society (2016): Woody Allen mais linear do que nunca

Alternando cada vez mais intensamente produções boas e mornas, Woody Allen apresenta aqui uma história já contada que, ainda que ricamente construída pela direção artística, não leva o espectador a lugar nenhum.

Dizem que pizza e sexo são bons até quando são ruins. Eu adicionaria Woody Allen à lista. De seus mais de cinquenta e três filmes (num ritmo incrível, mantido até hoje, de pelo menos um filme por ano), é difícil dizer que todos sejam joias dramatúrgicas, como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977), ou primores de direção e composição de elenco, como “Manhattan” (1979), mas muitos não deixam de ser bons, como “Café Society”, ainda que falte aquele algo-a-mais que o faça inesquecível.

Ambientado na era de ouro de Hollywood, nos anos 30, a história embarca nos sonhos juvenis de Bobby (Jesse Eisenberg), que decide deixar a família judia do Bronx, Nova York, para tentar a vida em Hollywood. Para isso, conta com a ajuda inicial do tio, Phil (Steve Carell), um magnata da indústria, e por meio dele conhece a encantadora Voonie (Kristen Stewart), por quem se apaixona, mesmo sabendo que ela guarda um segredo.

Desde o início, percebemos que a ambientação da trama é claramente uma oportunidade de Allen prestar tributo e também ironizar as idiossincrasias e afetações de seus ídolos do passado. Aqui também, ele repete um movimento que carrega por toda a carreira, de abrir espaços para estrelas em ascensão, este talvez sendo sua escalação mais polêmica e pouco convencional dos últimos anos.

Recém saído do criticado “Batman vs. Superman” (2016), a escolha de Eisenberg como seu alter ego provou-se tão acertada quanto corajosa. A persona prolixa e ansiosa do ator, que por vezes encaixa-se tão bem nas tramas que atua, como em “A Rede Social” (2010), mas em outras erra tão completamente no tom, vide seu Lex Luthor, aqui casa perfeitamente com o jeito desconfortável e neurótico necessários a uma representação de Allen. Já Kristen Stewart, que ainda recebe tantas críticas a despeito de seus bons desempenhos recentes, como em “Acima das Nuvens” (2014), atua com os graus certos de insegurança e inquietação à sua Vonnie. Por fim, Steve Carell surge como a presença menos esperada e, mais uma vez, rouba grande parte da cena com mais um personagem que destoa de suas atuações cômicas, mas ainda reserva nuances simplesmente hilárias.

Artisticamente trabalhado com primor, “Café Society” destaca-se por ter uma reconstrução de época e uma direção de arte muito superior a de outros filmes de Allen, normalmente marcados pela simplicidade e rapidez na execução, talvez herdado de seu mestre Ingmar Bergman, mas que por vezes evidencia a falta de veracidade das locações. Mas, da mesma forma como se dera em “Homem Irracional” (2015), os elementos cênicos do novo filme fortuitamente dispostos, de modo a criar um ensemble verossímil ao que a história demanda.

Outro ponto aprimorado desde “Homem Irracional” é que Allen deixa de lado um pouco de seu pedantismo intelectual, ainda que não totalmente, que no último filme era exagerado nas referências pretensiosas e vazias de conteúdo sobre a filosofia fenomenológica.  Em “Café Society”, por tratar de um ambiente mais “alienado” que o da universidade de “Homem Irracional”, Allen permite a brincar com elementos que superam sua chatice intelectual, retornando ao que ele sempre teve de melhor, que é a comédia de costumes e o aproveitamento de situações singelas.

Assim, entre as melhores cenas do filme está o encontro desconjuntado entre Bobby e uma garota de programa em seu primeiro serviço. Outro bom momento é do dilema moral da irmã do protagonista, por ter sido a mandante do assassinato de seu vizinho, discutindo o assunto com seu marido comunista, mas incapaz de qualquer práxis.

Ainda assim, falta vigor no desenvolvimento da trama principal, que segue sem maiores surpresas para os que já conhecem os passos ao seu autor. O momento mais crítico da história, em que expõe o dilema envolvendo os protagonistas, não resulta em nenhuma consequência mais efetiva. Ao invés disso, temos um desenrolar contingencial da narrativa, em que o cenário muda, algumas novas personagens aparecem, mas pouco se transforma dentro desses protagonistas.

Não há qualquer momento de suspensão dramática, como aquela fabulosa cena do anel em “Match Point” (2005), tampouco qualquer virada que nos afete, como o final de “Meia Noite em Paris” (2011), que deixa nos deixa com uma melancolia nostálgica. O problema dessa história, portanto, é seguir muito linear, sem qualquer lombada ou curvas mais fechadas pelo trajeto.

Isso se dá, em parte, pela narração e Woody Allen, que aparece como uma válvula de segurança da a história: “em caso de não entendimento, estou aqui para ajudar”. Sabemos que não é o primeiro filme em que o diretor utiliza-se desse instrumento questionável, mas aqui, ainda mais destacadamente do que nas outras vezes, sua narração destaca-se mais do que devia justamente porque não há absolutamente nada a ser explicado, tampouco alguma possibilidade de não entendimento por parte da plateia.

Assim, a pressa e a simplicidade de Allen, que resultou em trabalhos tão magníficos e inesquecíveis na história do cinema contemporâneo, por vezes resulta em filmes menores, em que os elementos parecem mal dosados. Se a belíssima cenografia e trabalho de arte de Michael Goldman e Doug Huszti, e a direção de fotografia do premiado Vittorio Storaro fazem desse um dos filmes mais coloridos e vivos de Allen, a falta de vigor narrativo pode nos fazer pensar se o diretor tem, de fato, algo a mais a dizer, ou se resiste apenas apresentando variações sobre um mesmo tema.

Vinícius Volcof
@volcof

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