Dentro das filmografias de seu diretor e astro, "Negócio das Arábias" possivelmente será tido como uma obra menor, mas este filme pequeno e simpático trata de maneira leve de temas bem profundos.
O diretor alemão Tom Tykwer tem em seu currículo longa maravilhosos como “Corra Lola, Corra” e “Perfume – A História de um Assassino”, obras cujo apuro visual é parte vital das histórias ali contadas. No entanto, este “Negócio das Arábias” funciona melhor quando sua narrativa se ancora na simplicidade, com os eventuais excessos ou metáforas visuais servindo mais para distrair o espectador do que para enriquecer o filme.
Baseado no livro “Um Holograma Para o Rei”, de Dave Eggers, e com o texto adaptado para o cinema pelo próprio Tykwer, o longa conta a história de Alan (Tom Hanks), um representante de vendas estadunidense em crise – pessoal e profissional -, que tenta se recuperar em uma viagem de negócios para a Arábia Saudita, onde tenta vender a tecnologia de comunicação holográfica de sua empresa para o monarca local.
A cena inicial, onde vemos que a vida de Alan virou fumaça (em um exemplo das supracitadas “metáforas visuais”), só funciona por conta do carisma e da persona de Tom Hanks. O veterano ator, que está em basicamente todas as cenas do filme é literalmente quem nos vende toda a trama, fazendo isso com seu carisma e charme habituais.
A narrativa se desenvolve a partir do ponto de vista de Alan e assim que Hanks começa a se assentar no personagem, o público embarca junto dele. Tykwer usa todas as conhecidas viradas de uma história de “peixe fora d’água” como um espelho da própria situação de vida de seu protagonista e, permitindo que Hanks, a personificação hollywoodiana do homem comum, bata de frente com as contradições das sociedade saudita, torna mais fácil que o humor e o subtexto da produção flua no decorrer das cenas.
O Alan de Hanks, aliás, começa como o verdadeiro “holograma” do título, um homem do qual só restou a carcaça após uma série de desilusões tanto na sua carreira, quanto na sua família, tentando através de “conversas fiadas” conhecer seu interlocutores/clientes. O negócio das arábias que o débil título nacional anuncia aparece como sua última chance de redenção como pai/provedor e como profissional e a persona agradável de Hanks deixa o desespero do personagem tangível – e a atuação do ator faz isso muito melhor do que a forçada metáfora das cadeiras que quebram mostrando a inadequação constante daquele homem.
A cidade praticamente fantasma que é o pivô da produção, cheia de possibilidades, mas que se encontra vazia e se apresenta apenas como um blefe comercial, é o espelho perfeito para Alan. Até que pessoas reais preencham aquele lugar, ele permanecerá oco. Enquanto a família do protagonista e se reduz a imagens em um computador e memórias cheias de dor, mesmo naquele lugar estranho, novas pessoas passam a fazer parte de seu cotidiano, como o excêntrico motorista Yousef (Alexander Black) e a médica Zahra (Sarita Choudhury).
Alexandre Black, além de ter um ótimo timing cômico, funciona muito bem ao fugir do estereótipo habitual do muçulmano no cenário cinematográfico atual. Seu Yousef é um alívio cômico bem vindo, divertido sem ser forçado, com a amizade entre ele e Alan servindo para reforçar de maneira orgânica as contradições básicas entre EUA/Arábia Saudita (o diálogo sobre a sede por democracia de Yousef é especialmente revelador neste sentido) e até mesmo a sub-sub-subplot de seu caso extraconjugal funciona para dar contexto a outro plot.
Este outro plot é o de Zahra, com Sarita Choudhury não sendo apenas a mulher exótica por quem Alan se apaixona. Sua Zahra carrega um quê de melancolia em seu olhar, mas também representa uma oportunidade para Alan se curar do peso que se acumula (literal e figurativamente) em suas costas. Ambos são adultos que vêm de relacionamentos fracassados, mas as divergências culturais entre ambos (e o machismo imposto de maneira religiosa à Arábia Saudita) a coloca em uma situação bem diferente ao tentar reconstruir sua vida e estabelecer uma conexão com o protagonista.
É fácil argumentar que “Negócio das Arábias” será considerado, dentro das carreiras de Tom Hanks e Tom Tykwer, uma obra menor, especialmente no caso de Hanks, mas sensibilidade do longa ao lidar com seus temas o coloca na coluna de acertos nas filmografias dos dois Toms.