Sem inovar em absolutamente nada, trata-se de um "family movie" disfarçado de comédia de ação. Longe do hilário, o humor é de dose pediátrica. Não obstante, diverte um pouco.
As comédias de ação integram um nicho que pode dar bons frutos – exemplo recente é “Kingsman: Serviço Secreto”, razoável sucesso de público e crítica. “Um Espião e Meio” quer trilhar o mesmo caminho, com doses maiores (mas não tão grandes) de humor, sem o mesmo êxito.
O título brasileiro induz a um equívoco (corroborado por cartazes): embora seja mencionada a diferença de tamanho da dupla central, a altura está longe de constituir temática nuclear. Por outro lado, o nome original (“Central Intelligence”) é deveras simplista para cristalizar o plot: Calvin (Kevin Hart) era um estudante popular e extremamente promissor, enquanto Bob (Dwayne Johnson) era um garoto isolado e vítima de bullying em razão da sua obesidade. Vinte anos depois, Calvin é frustrado por ser um perito contábil sem destaque na empresa em que trabalha, abandonando um cotidiano pacato para ajudar (a contragosto) o “novo” Bob (adquiriu músculos no interregno) a provar para a CIA a sua inocência.
A fita não é ambiciosa. Estão lá plot twists previsíveis, cenas clichês (policial bom versus policial mau, distração para atrasar o vilão etc.), humor autorreferente (em especial com Johnson, mencionando seu apelido e o filme “Hércules”) e piadas recicladas (das escatológicas aos vídeos “NSFW”). São elementos ruins que, contudo, ficam diluídos em uma trama que teve o cuidado de evitar conflitos muito complexos (a subtrama da crise de casal é invisível, de tão horizontal), privilegiando uma narrativa leve e pueril – no melhor estilo family movie.
De forma episódica, porém, a leveza dá espaço à acidez, notadamente em uma sátira pouco intensa (ainda que engraçada) à terapia de casal e numa crítica sagaz à hipocrisia das pessoas que acreditam que basta alegar a conversão a uma religião para apagar os erros do passado. São exploradas atualidades esparsas (como a dinâmica rotina afetiva de Taylor Swift), a mais interessante é a menção à frivolidade da conexão virtual (pessoas que adicionam “amigos” em redes sociais sem conhecê-los ou conhecendo-os pouco, com a falsa justificativa da cortesia social).
O mote do longa é a ideologia antibullying, que, todavia, não tem o vigor desejável para ter efetividade. A falta de pujança quase justifica o discurso de Bob no desfecho (recurso de criatividade nula). Também falta sensibilidade ao tratar a matéria, pois é incoerente afirmar não gostar de bullies e chamar Calvin de “Will Smith negro” (?), por exemplo. A narrativa falha ainda na dubiedade de Bob, que não é crível. Traduzindo: no que é fundamental, o longa é ineficaz em seu texto. Nem mesmo a intertextualidade por referências expressas (“Gatinhas e Gatões”, “Crepúsculo”, “Os Bons Companheiros” etc.) o enriquece (primeiro pela contextualização artificial, segundo pelo excesso).
A direção coube a Rawson Marshall Thurber, que exagera no didatismo, claramente subestimando o espectador. Tudo é tão mastigado – da cafonice de Bob (a pochete de couro dispensava a camiseta de unicórnio) à promoção do assistente de Calvin (para enaltecer sua frustração) – que, paradoxalmente, se torna indigesto. A cautela exacerbada reside também nas cenas de ação (no bê-a-bá: lutas, tiros e música agitada). Os spinning shots (câmera fazendo movimento circular em torno de personagens, como em “Os Vingadores”) pouco agregam.
Johnson parece desconfortável, mas Hart é ótimo no papel que desempenha. Os erros de gravação que aparecem durante os créditos mostram que o cast se divertiu (inclusive os que fizeram participações especiais). O público também pode se divertir (mas não muito, é preciso avisar), desde que deixe o cérebro funcionando no modo standby e aceite um filme despretensioso. Longe do hilário e cômico em dose pediátrica, “Um Espião e Meio”, se não agrega, também não ofende.