Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 26 de julho de 2016

A Lenda de Tarzan (2016): o medíocre retrato de um herói clássico

O que se tem aqui é um longa sem alma ou personalidade do Rei das Selvas, que somente se destaca perante as inúmeras versões do herói-titulo por conta de seu visual.

Certamente um dos personagens mais adaptados para o cinema de todos os tempos, Tarzan, a criação mais famosa de Edgar Rice Burroughs, ressurge nas telas com este “A Lenda de Tarzan”, com direção de David Yates (dos quatro últimos filmes da saga “Harry Potter”) e roteiro de Craig Brewer (“Entre o Céu e o Inferno“) e Adam Cozad (“Operação Sombra – Jack Ryan”).

Ao contrário das últimas versões do personagem a serem lançadas na telona – a divertida adaptação da Disney em 1999 e uma horrorosa animação 3D em 2013 -, o longa de Yates tem mais em comum com “Greystoke – A Lenda de Tarzan”, fita protagonizada por Christopher Lambert e Andy MacDowell em 1984, colocando como conflito central a natureza dupla de Tarzan/John Greystoke, aqui vivido por Alexander Skarsgård.

O problema é que este não é o único plot do roteiro de Brewer e Cozad. Temos ainda a perda que John e sua amada Jane (Margot Robbie) sentem pelo filho natimorto, as origens de Tarzan mostradas em flashback, os vilanescos esquemas do vilão Leon Rom (Christoph Waltz) e do Rei da Bélgica, a relação conflituosa entre Tarzan e seu irmão de criação, a rixa entre Tarzan e o chefe tribal Mbonga (Djimon Hounsou), a introdução do amigo americano de Tarzan, George Washington Williams (Samuel L. Jackson)…

Aqui me permitam um pequeno desabafo: qual é a necessidade que os roteiristas de hoje sentem em entupir seus filmes com subplots? Este “A Lenda de Tarzan” é apenas o mais recente longa a padecer desse mal, que resulta apenas em personagens pouco desenvolvidos e situações mal exploradas dentro de produções sem foco narrativo.

Por mais que o diretor David Yates se desdobre para tirar leite de pedra e criar planos e visuais bacanas para preencher telas tradicionais e IMAX – e existem imagens muito bonitas e bem fotografadas no decorrer da projeção, expondo a majestade das selvas onde a história se passa, fazendo o contraponto com a frieza britânica -, o seu trabalho resulta apenas em um protetor de tela extremamente elaborado, com algumas referências ao herói-título, a melhor delas, aliás, sendo uma versão mais gutural do grito clássico eternizado por Johnny Weissmuller nos anos 1930.

O texto apresenta alguns conceitos interessantes, como o fato do personagem-titulo se refugiar na fria persona de John para lidar com o luto de sua perda, ou o fato de que sua estrutura óssea se modificou por conta de sua vida pregressa, mas é tudo jogado, sem nenhum aprofundamento.

Com o excesso de subplots, mesmo através dos flashbacks, jamais chegamos a nos importar com o Tarzan de Skarsgård ou com a Jane de Robbie, e se não nos importamos com o destino do casal central, qual o sentido da aventura?

Alexander Skarsgård encaixa perfeitamente no papel por conta de sua assombrosa fisicalidade e tenta imprimir alguma emoção ao personagem através da linguagem física, mas o roteiro lhe dá muito pouco com o que trabalhar. Já Margot Robbie fica presa em um limbo, com sua Jane e até a própria atriz implorando para não ser apenas uma donzela em perigo, quando esta é a única função que o filme lhe relega.

Mesmo as rivalidades de Tarzan com Mbonga e com o seu irmão símio passam em brancas nuvens por não terem tempo para existirem – e mais uma vez o talentoso Djimon Hounsou mostra que realmente precisa desesperadamente de um novo agente. E se os personagens de Christoph Waltz e Samuel L. Jackson causam algum impacto no espectador é porque os dois fazem os tipos de nos quais habitualmente os vemos, respectivamente como o vilão selvagem de modos “civilizados” (ironia) e a figura durona de autoridade com um passado sombrio (contracenando com um herói relutante, como na franquia “Marvel”).

David Yates entrega cenas de ação visualmente interessantes, mas falha em criar um herói complexo ou competente – repetidas vezes Tarzan é salvo por fatores externos -, impedindo até mesmo que nos impressionemos com as proezas do herói. No final das contas, esse acaba sendo o resumo do longa: visualmente ok, mas longe de ser marcante.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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