Longe de fazer jus à obra original, a adaptação animada do clássico de Alan Moore tenta ser literal, mas desaponta em vários aspectos.
Quem já se atreveu ir mais a fundo e procurar contos essenciais das histórias em quadrinhos, certamente deve conhecer o trabalho de Alan Moore, um genial escritor britânico que revolucionou e modernizou definitivamente a mídia para uma linha mais adulta ou ambiciosa do ponto vista artístico. O mago ficou conhecido por obras autorais como “Watchmen” (1986), “V de Vingança” (1982) e “Do Inferno” (1991), mas ao longo de sua brilhante carreira escreveu algumas histórias de super-heróis já conhecidos, vide as passagens marcantes que teve em “O Monstro do Pântano” (1984) e “Miracleman” (1982). No entanto foi com uma pequena fábula que fez para o Batman, chamada de “A Piada Mortal” (1988), que o roteirista praticamente redefiniu o perfil não só do protagonista como o do vilão Coringa.
Em rápido resumo, numa tentativa de humanizar o nêmesis do Morcego, Moore coloca o próprio Batman e o comissário Gordon (e também o leitor) à prova, onde vemos o Joker tentando provar, por meios tenebrosos, que basta apenas “um dia ruim” para que qualquer um torne-se tão sociopata quanto ele. Ao mesmo tempo é feito um paralelo do conceito “homem comum”, idealizado por Friedrich Nietzsche, controvertendo sua fragilidade, covardia, falta de pudor, caráter, entre outras coisas. O final da trama trazia também um dos momentos mais perturbadores já constados nas revistas do Cavaleiro das Trevas, e que até hoje gera debates interessantes e contraditórios.
Ou seja, temos em “A Piada Mortal” uma obra seminal, pronta para ser transposta em audiovisual, e o fato da linha de animações da DC Comics demorar tanto tempo para adapta-la levanta a ideia de certo receio por parte dos realizadores. Pensando nisso, chamaram então Brian Azzarello (“100 Balas“) – um dos argumentistas mais conceituados atualmente da nona arte – para reescrever o título do longa animado, além de contratarem as principais vozes que dublaram os personagens em outros títulos e investirem numa forte campanha de marketing, chegando a distribuir cópias nos cinemas pelo mundo – um fato quase inédito, já que praticamente todas as produções do estúdio saem direto para home video.
Azarello decidiu recontar a trama criando uma introdução peculiar narrada pela personagem Batgirl/Barbara Gordon (Tara Strong), onde o espectador casual poderia ter maior contato e se afeiçoaria à personagem. Assim como deu um novo viés ao perfil da moça, quando através de uma cena “picante” tentou reafirmar quão decidida a garota pode ser. Acontece que é justamente aí que começa a superficialidade do roteiro em questão, já que não basta só o fato de uma personagem feminina decidir fazer sexo e ter “conversas abertas” com um amigo homossexual para torna-la simbolicamente importante. O tiro acaba justamente saindo pela culatra quando esta parece o tempo todo perdida e no momento mais decisivo de sua vida resolve “entregar os pontos”.
Não há problema algum em tentar adicionar novas subtramas ou focar na dramaticidade de um personagem pouco explorado na obra de origem, o erro está exatamente em começar dessa maneira e no meio do caminho abandonar a tal licença poética escolhida para se render ao medíocre e transpor, quase que literalmente, os momentos gráficos do conto que tem como base. Após trinta minutos, outro filme parece começar do zero, levando em conta que o lado temático construído até ali jamais será tratado novamente – outro tópico negativo que despenca ainda mais o conceito criado para a Batgirl. E para piorar tudo, a inércia narrativa se estabelece até o fim da projeção, onde simplesmente não há mais surpresas e a falta de ritmo é evidente.
E como se não bastasse, mesmo seguindo quase cena por cena do quadrinho gênese, a animação está longe de imprimir a real intenção do texto de Alan Moore, passando andamentos importantes de forma absolutamente rasa – o que por si só é de uma ofensa tremenda – nos deparamos com uma trama estática, sem grandes emoções ou revelações que possam mexer com o espectador. Surpreendentemente, até a qualidade visual da animação bem como a movimentação mostram-se pobres e muito abaixo do que o estúdio está acostumado a entregar, desapontando igualmente neste quesito.
Nem mesmo a incrível interpretação de Mark Hamill como o Coringa ou a voz marcante de Kevin Conroy como Batman consegue dar vida à produção, que se mostra incapaz de empolgar qualquer plateia mais abalizada. Talvez o público casual possa se entreter e achar curioso o que está vendo em tela, mas aí reside um outro problema: estas mesmas pessoas poderiam se impressionar verdadeiramente, caso um terço do poder da obra de Moore fosse revelado. Em suma, uma enorme bola fora da DC, que joga no lixo a oportunidade de elevar o nível de suas animações.