A direção é competente e as atuações são muito boas – em especial a espetacular Meryl Streep como protagonista. No entanto, com praticamente o mesmo enredo, o francês “Marguerite” é muito melhor.
Partindo da premissa einsteiniana de que tudo é relativo, pode-se afirmar que “Florence – Quem é essa Mulher?” é ou não um bom filme, a depender do parâmetro de análise.
[CRÍTICA] Marguerite (2015): grandiosidade e beleza
Assim como o longa francês “Marguerite”, trata-se de obra baseada na vida real de Florence Foster Jenkins, rica e bondosa senhora que decide levar mais a sério sua paixão pelo canto (isto é, apresentar-se para grandes plateias), mesmo desconhecendo (em razão do silêncio do seu círculo social) sua completa falta de habilidade e de talento para cantar. É a partir desta sinopse um tanto genérica que partem as duas produções, havendo, porém, notas distintivas marcantes.
Seria possível elencar diversos elementos presentes em um e ausentes no outro filme, entretanto, o que é nuclear para a diferenciação é o viés adotado: enquanto “Marguerite” opta por um tom sorumbático e profundamente melancólico; “Florence” adota maior leveza na abordagem, investindo muito mais no humor. São duas tragicomédias consideravelmente afins, porém, enquanto o primeiro faz o drama prevalecer, o segundo aposta mais na comédia. Vence o francês, não apenas por tecer nuances mais profundas da personalidade da protagonista (que tem um círculo maior de relações, permitindo que ela seja melhor conhecida), mas principalmente porque constrói mais camadas narrativas e densas críticas sociais (tem maior transcendência).
Não obstante, “Florence – Quem é essa Mulher” tem vários predicados. Do ponto de vista exclusivamente técnico, os cenários e os figurinos (estes em especial) saltam aos olhos, de modo que a direção de arte se mostrou acertada em cada plano. Stephen Frears também acerta na direção, em especial na precisão dos enquadramentos e do inteligente uso das linhas de fuga – a cena em que Florence aparece no apartamento do marido sem avisar é visualmente brilhante neste quesito. Às divertidíssimas cenas de ensaio da protagonista é agregada uma técnica de montagem com elipses simulando o movimento de virada de página (pena que a criatividade ficou apenas ali).
O elenco é também merecedor de elogios. De forma previsível, os holofotes ficam com Meryl Streep, que empresta seu talento imensurável e seu carisma inigualável à protagonista. A excelência de Streep na atuação já é consolidada no cinema, e, mesmo em um papel unidimensional, sua habilidade enriquece muito a obsoleta Florence que o plot delineia. Apesar de um grande trauma pretérito, Florence é uma pessoa comum (embora riquíssima) e alegre, capaz de lavar a louça alheia em troca de música, pois o combustível para a sua vida é justamente a música. O canto desafinado é quase ignorado: é tanto apuro e elegância que a protagonista comove, elevando consideravelmente a identificação cinematográfica secundária (como não torcer por ela!?). Outra atriz no papel certamente retiraria muito da qualidade final do longa.
Hugh Grant surpreende pela entrega na atuação como St. Clair Bayfield, marido de Florence, em um desempenho humano e cirurgicamente comedido. É visível o carinho mútuo e o cuidado que ele nutre em relação a ela – que se inicia com os apelidos carinhosos, Bunny e Whitey, e tem zênite na delicada cena em que ele recita versos para ela dormir pela primeira vez no filme. O empenho dele em garantir o sucesso das apresentações da esposa é também exposto de forma enfática, e, mesmo quando justifica a existência de uma namorada concomitante ao matrimônio, o faz de forma polida. Também consegue chamar a atenção Simon Helberg ao atuar como Cosmé McMoon, em uma interpretação que flerta com o caricato, mas que tem o seu porquê. Se é verdade que ele não é sutil, não é menos verdade que é ele quem garante a maior parte das cenas cômicas. Diversa é a situação de Rebecca Ferguson, pois sua Kathleen é um papel aquém do potencial da atriz, renegada ao arquétipo da amante ora acomodada ora insatisfeita.
O roteiro cria figuras arquetípicas clichês – sem contar as subtramas pouco (ou nada) verticalizadas. Estão lá a egolatria, cristalizada na figura do Maestro professor de canto (que serve para bajular Florence e perceber benesses da aluna, sempre mantendo sigilo sobre a orientação vocal concedida), o aspirante à grandeza, que reside em McMoon, e assim por diante. Por outro lado, o script é enriquecido ao renegar uma posição de vilania ao sexo: a amante corporifica o refúgio sexual antagônico ao matrimônio; uma relação sexual do passado tem consequências no presente diegético; ainda, a fobia de Florence por objetos fálicos coroa o sexo como vilão freudiano.
Em síntese, tem-se em “Florence – Quem é essa Mulher?” um longa razoável, com uma direção competente, atuações muito boas, mas um roteiro bastante modesto. Sabe entreter, todavia, sem a ambição de reverberar além da superfície no espectador. Comparativamente com “Marguerite”, falta-lhe a penetração artística, psicológica e emocional que este possui. O duelo das películas é bastante nobre, saindo vencedor o filme francês.