Repetindo várias vezes a mesma piada e com um roteiro muito mal acabado, "Contrato Vitalício" não vai bem na estreia do Porta dos Fundos no cinema.
Porta dos Fundos é um dos canais com mais acessos no Youtube brasileiro. O grupo de esquetes já ganhou a internet e recentemente conquistou a TV. Agora é a vez do cinema recebê-los, mesmo que antes alguns integrantes (individualmente e juntos) já tenham figurado nas telonas. Ian SBF, um dos criadores do Porta, é o responsável pela direção e o filme é protagonizado por aqueles que são os melhores do elenco recorrente na internet: Gregório Duvivier e Fábio Porchat; o segundo também assina o roteiro.
A trama é iniciada quando os amigos Miguel (Duvivier) e Rodrigo (Porchat) ganham o festival de Cannes com o seu desacreditado filme. O diretor e o ator principal (e aparentemente único) vão para uma festa após a premiação e lá assinam, entre umas doses e outras, um contrato vitalício, assegurando sob multa que eles trabalhem juntos em todos os filmes que Miguel dirigir. Após essa festa, Miguel some e só reaparece vários anos depois, quando Rodrigo já não está mais com uma carreira em alta. Psicologicamente instável, o diretor resolve fazer um novo filme, talvez o filme mais sem pé nem cabeça que o mundo irá ver.
O conflito acontece desde o título do filme. O contrato vitalício é o grande problema para Rodrigo, pois o diretor o coloca em uma espiral de maluquices, levando o amigo para um estado absurdo de vergonha alheia e loucura. Lotado de metalinguagem, a ideia do filme dentro do filme e o espelhamento de conflitos do que acontece no filme real e no irreal chama atenção de início. Entretanto, o padrão não avança tornado-se repetitivo e raso.
A direção de Ian SBF é interessante em vários momentos. O diretor sabe manejar bem a câmera e optou várias vezes por escolher tomadas menos confortáveis das feitas no canal do Youtube. Ian gosta de trabalhar bem os closes e os detalhes. Um dos pontos mais altos de “Entre Abelhas” (filme dirigido e roteirizado por Ian) se repete em “Contrato Vitalício” e a assinatura do diretor está novamente bem imposta. Por várias vezes o cineasta buscou passear com a câmera na cena, a fim de criar pequenas cenas de transição para o diálogo, evitando o simples jogo de câmera de cortar várias vezes para o ator que está dando o texto. Em uma tomada, por exemplo, o personagem Rodrigo está descendo as escadas, a câmera o acompanha e passa por baixo de um degrau, custando a mostrar o que o ator estava vendo e gerando a expectativa necessária na cena. Em outra, mais à frente, emula um recurso muito utilizado por Michael Bay e Christopher Nolan, o spinning shot (câmera em rotação), quando vários personagens conversam em círculo. Ian SBF também acerta na passagem de tempo, sem utilizar o recurso de “10 anos depois…” mais batido do audiovisual brasileiro.
Diferente do acerto da direção são roteiro e montagem. As piadas se repetem muito e as cenas parecem sempre acabar bem depois do ápice da piada. Apesar de alguns personagens estarem muito bem escritos, como o investigador vivido por Antônio Tabet, por exemplo, outros não evoluem e ficam se repetindo nas mesma ladainha. A montagem ajuda a deixar esse ponto cansativo e acaba sendo prejudicada pelas poucas cenas de transição, onde nem sempre o humor precisa existir. Faltou liga entre as cenas, deixando-as com jeito de esquetes conectadas apenas pelo universo imposto no primeiro ato do longa.
O subtexto do roteiro tenta atacar esteriótipos da mídia focando-se em três personagens: o agente Ulisses (Luis Lobianco), o colunista de fofocas Lorenzo (Marcos Veras) e Fernanda (Thati Lopes), uma blogueira fitness claramente inspirada na Gabriela Pugliesi, O problema do subtexto é também não ir além do primariamente imposto. Ulisses se resume a citar vários famosos reais ao telefone, Lorenzo a ser invasivo e Fernanda na obsessão em mostrar tudo da sua vida. É sempre a mesma piada em cenários e ocasiões diferentes, apenas.
Fabio Porchat vem bem desde “Entre Abelhas”. Lá e aqui, o ator mostrou que consegue flutuar bem entre a comédia e o drama. Falhou o roteiro em ir um pouco além no drama do personagem, mas quando precisa Porchat sai bem do humor físico para momentos mais reflexivos e pesados. Gregório Duvivier também segura um personagem perfeitamente escrito para seu estilo de humor. No ótimo “A Vida de Gregório” e em várias esquetes do Porta, Duvivier mostra mais uma vez domínio em fazer o personagem desprendido da realidade e extremamente sarcástico; o nonsense apresentado pelo ator dá certo e até lembra personagens que Rick Gervais (“Derek“, “Life’s Too Short“) escreveria.
“Contrato Vitalício” tem seus momentos, mas peca em se mostrar consistente enquanto longa-metragem. O roteiro não consegue ir além no que estabelece no primeiro ato e no começo do segundo, perdendo força no ato final e tornando as falhas mais evidentes. Espero que não seja esse o único filme do Porta nos cinemas e que o grupo evolua, pois potencial há demais, mas não foi o melhor início no cinema.