Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Dono do Jogo (2014): filme morno merece recepção discreta

De tão entediante, desafia o espectador a não dormir. De tão raso, não agrega conhecimento – apesar do contexto rico. De tão comedido, é cinematograficamente insignificante.

o-dono-do-jogoEdward Zwick já comprovou ser competente e eclético com “Nova Iorque Sitiada”, “O Último Samurai”. “Diamante de Sangue” e “Amor e Outras Drogas”. Lançou em 2014 uma produção modesta, que chegou ao Brasil apenas em 2016 com uma recepção morna. Porque “O Dono do Jogo” não merece muito mais.

O enredo tem um argumento multifacetado: um herói com dramas familiares e conflitos internos disputando o título mundial em um esporte contra um adversário que, em visão macro, é rival político da sua pátria numa época turbulenta. O herói, Bobby Fisher; o esporte, xadrez; o adversário, Boris Spassky; o rival, a Rússia; e a época, a da Guerra Fria. Não há muito mais que isso: Bobby é um enxadrista promissor desde a infância, que decide enfrentar os russos – até então os melhores do mundo – no esporte, querendo consagrar-se como o melhor se vencer Spassky.

No roteiro, o problema central é o reducionismo, apesar da pluralidade temática. Assim, quanto à família, apenas menciona que o pai de Bobby é desconhecido e sua mãe é investigada pelo FBI por ser comunista em potencial (o que desagrada também o filho); quanto à Guerra Fria, dispensa o retrato do Zeitgeist (espírito da época), como se a metáfora do esporte fosse suficiente, presumindo amplo conhecimento do espectador acerca do contexto. Há uma narrativa linear, mas com superficialidade visível.

Também a direção é rasa, com zênite no sensacionalismo relativo à psicopatologia do protagonista. A atuação de Tobey Maguire como Fisher é razoável (ainda que não apague o Homem-Aranha que lá reside), porém, deixa a incômoda sensação de que a ausência de explicações (causa e essência da doença, por exemplo) fosse ofuscada pelo trabalho do ator. Os truques de filmagem (planos-detalhe, oscilação de luzes, closes e cortes rápidos) corroboram a tese da falta de profundidade da personagem. Ademais, soa incoerente que alguém tão afetado consiga tratar a primeira relação sexual como um acordo de vontades como outro qualquer – sem contar o estrelismo que o torna mimado quando começa a ficar famoso.

Outra incoerência, mais sutil, consiste no maniqueísmo velado. Aparentemente, a opção é pela parcialidade, adotando o lado estadunidense da guerra (chamados por uma personagem de “good guys”). Isto é, parece que a perspectiva é a do lado capitalista, encarando os russos comunistas como inimigos (tanto no xadrez quanto na política, visão micro e macro, respectivamente). Nesse caso, por que a narrativa eventualmente adota o ponto de vista do “inimigo” (evitando o que se chama sutura, por parte do espectador)?

Como nem tudo é ruim, o design de produção é de bom nível. O figurino sóbrio, escuro e formal dos russos (em especial Spassky) reforçam sua frieza e seu papel negativo na trama. Embora não sejam brilhantes, as atuações são, no geral, sólidas (embora Liev Schreiber como Spassky e Peter Sarsgaard como o padre Bill tenham seus talentos desperdiçados).

Não obstante, o plot visivelmente foge das problematizações inerentes ao contexto em que se insere. O período histórico é relevante e complexo, todavia, o retrato é oblíquo, quiçá ingênuo, ao exaltar o espírito americano, vencedor, em detrimento das implicações reais do combate. Também no que se refere à personalidade de Bobby o trabalho não é satisfatório, vez que o estereótipo do gênio problemático e incompreendido não chega a ser verticalizado. A aposta no esporte acaba sendo vã, principalmente porque Zwick não conseguiu dirigir as sequências de confronto de maneira emocionante. A imersão no xadrez talvez seja atingida por quem o pratica, mas o público majoritário provavelmente sentirá um tédio imensurável nas longas cenas em que Bobby enfrenta seus adversários.

Sopesando-se tantas circunstâncias desfavoráveis, “O Dono do Jogo” é um longa artificial, comedido e entediante. A covardia da produção ao driblar polêmicas potenciais ensejou um filme que entra no currículo da equipe apenas para fazer número.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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