Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 10 de junho de 2016

Jogo do Dinheiro (2016): a espetacularização da vida

Thriller eficiente com protagonistas estrelados e dirigido por Jodie Foster consegue ser uma surpreendente obra crítica e antisistemica.

jogo-do-dinheiro_t84097_5G36AuP_jpg_290x478_upscale_q90Bonachão e teatral, Lee Gates (George Clooney),  à frente do programa Money Monster, é um daqueles apresentadores que faz de tudo pela audiência, enquanto comenta muito abstratamente dados do mercado financeiro. Como tantos outros programas televisivos (seja aqui ou lá), falta conteúdo e sobram recursos visuais e sonoros para hipnotizar o espectador. Porém, quando uma das empresas recomendadas por Lee dá um calote no mercado e deixa centenas de investidores no prejuízo, o apresentador começa a refletir sobre sua responsabilidade como formador de opinião, especialmente quando um homem armado invade seu estúdio e o faz de refém ao vivo.

Dirigido por Jodie Foster em sua quarta e até agora melhor incursão pela direção cinematográfica, esse thriller bem amarrado bate forte nas críticas sobre o papel da mídia moderna e os riscos de um capitalismo financeiro desregulado. Escrito por Alan DiFiore, Jim Kouf e Jamie Linden, o roteiro demorou dois anos para ser levado às telas, tendo sido colocado na chamada Lista Negra de 2014 como “um dos melhores roteiros não filmados” daquele ano. Felizmente recuperado, o filme desperta uma importante reflexão sobre o contexto atual, em que certas noções estão sendo postas à prova e questionadas e o eixo da sociedade moderna ocidental ainda parece girar de forma um tanto instável.

Julia Roberts também soma-se aos nomes de peso da produção no papel de Patty, diretora do programa de Lee que o acompanha com serenidade por todo o processo. Jack O’Connell (de “Invencível”) é o terrorista Kyle e Giancarlo Esposito (de “Breaking Bad”) faz o capitão de polícia Powell. Completam o elenco Dominic West, como o empresário que guarda um segredo e Caitrona Balfe, sua amante em crise. Para além do bom elenco, o mais agradável nessa obra é a progressão de mudança que se dá ao longo da narrativa: assim como o personagem de Clooney começa bastante ridículo e gradativamente torna-se mais sério e reflexivo, a própria trama começa pequena, dando a impressão de que seria restrita a apenas um cenário, num dinâmica quase teatral, porém aos poucos amplia-se em escala, ganhando subtramas interessantes e culminando numa grande conclusão, embora um pouco fácil demais.

Todas as atuações estão bastante satisfatórias. Como já dito, Clooney parece um pouco deslocado na fase inicial, embora perceba-se a intenção de fazer com que Lee seja bastante bobo de início e passe por uma jornada de aprendizagem até o final, estrutura clássica de roteiro. Por mais canastrão que o próprio ator seja, porém, é um pouco estranho vê-lo dançando hip-hop e fazendo outras palhaçadas no palco do programa. Corrigindo esses excessos, à medida que o nível da tensão aumenta, o ator encontra seu espaço e no final é aquele Clooney reconhecível e bastante competente que já vimos inúmeras vezes. Já Roberts encaixa-se muito bem num papel secundário que não lhe exige tanto. É um ponto positivo que sua personagem seja serena e controlada, embora visivelmente abalada, durante todo o processo, não caindo no clichê hiperdramático.

Filmes que envolvem situações de refém normalmente resultam em bons thrillers, haja visto “Um Dia de Cão” (1975) e “Um Ato de Coragem” (2002), para ficarmos apenas em dois notáveis exemplos. Eles parecem surgir sempre em momentos delicados, no pós-guerra ou numa crise financeira global, dialogando criticamente com o Espírito do Tempo (Zeitgeist), onde a sociedade parece estar se desestruturando e o horizonte é uma incógnita

Não à toa, “Jogo do Dinheiro” é preenchido por cenas de pessoas assistindo ao drama de Lee em filas de agências de empregos, indiferentes e apáticas diante daquele espetáculo dramático. Igualmente simbólico é o uso de uma empresa digital, que opera algo que mal entendemos sobre o que seja, como responsável por aquela crise, ressaltando um argumento de que, na era do capitalismo financeiro, os algoritmos e dígitos imateriais das transações comercias, quando dão errado, podem causar prejuízos bastantes materiais na vida das pessoas.

Assim, o filme de Jodie Foster é um exercício político de discurso sobre o certo e o errado, uma tomada de posição que critica o lucro construído sobre a crença dos outros. A partir do drama de um apresentador de TV, discute-se a espetacularização da vida em sociedades dominadas pelo entretenimento, onde tudo vira meme ou propaganda, como a americana. “Quanto vale uma vida? Quanto vale a minha vida?” – inquire o apresentador aos seus espectadores, numa tentativa desesperada por salvar-se. Mesmo sendo um filme de grande escala, com caprichado elenco e que estreia com boa visibilidade, a mão certeira da diretora diante de um roteiro contundente, consegue fazer dele uma obra antisistemica, bastante crítica e relevante nesses tempos tão desesperançosos.

Vinícius Volcof
@volcof

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