Embora careça de dinamismo, especialmente quanto ao ritmo, vale como uma boa história para renovar a série, agradando mais aos antigos fãs do que as crianças.
Para a legião de fãs de Asterix, o gaulês, criado pelos franceses Albert Uderzo e René Goscinny ainda na década de 50, será sempre um prazer saborear as continuações dessas aventuras, seja no meio impresso ou audiovisual. Se há uma coisa que essa singela história, passada “50 anos antes de Cristo…”, demonstrou ao longo dos anos foi a capacidade de vencer o tempo, permanecendo relevante e divertida às novas gerações. Não à toa, seus quadrinhos continuam a ser produzidos, mesmo após o falecimento de seus criadores, e em 2013 a série teve prosseguimento com “O Papiro de César”, assinada pela dupla Jean-Yves Ferri e Didier Conrad.
“Asterix e o Domínio dos Deuses” é a primeira adaptação cinematográfica em 3D de uma história em quadrinhos sobre os adoráveis gauleses, que já contou até com produções em live-action (quem não se lembra daqueles estranhos filmes com Gerárd Depardieu?). A base do roteiro é a décima sétima obra assinada por Uderzo e Goscinny, em 1971. Nela, o imperador romano Julio César tenta finalmente dominar a Gália através de um empreendimento civilizacional, construindo a Terra dos Deuses em volta da pequena comunidade e levando romanos para habitar as redondezas. Diante disso, Asterix, Obelix, seu cachorro e o grande chefe guerreiro e Abracurcix não deixarão barato, oferecendo uma forte e tumultuada resistência à dominação.
Como sempre, o pano de fundo em discussão é o domínio civilizacional, dessa vez centrado no controle geográfico via empreendimentos imobiliários. Os romanos chegam a Gália com o objetivo de levar “um pouco de civilização” à região, e a partir disso nota-se que essa história sempre esteve muito acima do que simplesmente entreter. Pouco a pouco, as benesses da civilização vão conquistando as mentes e corações da população local, mas provocando também brigas internas (não que eles precisassem de mais motivos para brigar) e a desagregação do grupo.
A animação bem feita é resultado da parceria franco-belga entre M6 Films, Belvision e Grid Animation. O orçamento estimado gira em torno dos 30 milhões de euros, com um retorno não muito saboroso, embora os dados careçam de mais informações. Sabe-se que a venda para a televisão e de DVDs muitas vezes supera a arrecadação nos cinemas desse tipo de produção, especialmente no Brasil, onde ela chegou apenas dois anos após seu lançamento oficial.
Por tratar-se de uma produção europeia, com todo um background cultural de um clássico artístico criado há muitas décadas, talvez a animação seja menos atrativa às crianças do que pode ser ao público mais adulto, fãs históricos que muitas vezes cresceram na companhia dos pequenos gauleses.
De fato, o filme é um ponto fora da curva das animações, cada vez mais complexas e de mundo expandido, preferindo restringir-se ao contexto daquele pequeno vilarejo e na movimentação de um punhado de personagens. Todos eles, porém, bem tipificados, divertidos e agradáveis de se ver, provocando algumas risadas e também passando mensagens críticas sobre um ideal civilizacional predatório e opressivo (em discussão, ainda que pela tangente, também está degradação ambiental). Quanto a dominação, talvez ainda mais do que os gauleses a serem dominados, quem têm um papel central são os escravos utilizados pelos romanos para a construção de seus portentosos prédios. São eles que sofrem os episódios de opressão mais evidentes, sendo ludibriados por um Senador afetado e até mesmo usando mal a poção mágica que dá força à Asterix.
Assim, mesmo num contexto cultural tão restrito, a obra consegue transformar-se num caldeirão cultural, onde a interação dos diversos grupos compõe sua maior riqueza. Mesmo tipificando a vilania dos colonizadores através dos romanos, a história evita dicotomias simplórias e insere outros personagens com quem nos simpatizamos, como a família romana que ganha um apartamento em Gália, mas sofre com a burocracia do Império.
Trata-se, portanto, de uma metáfora da dominação, que pode tanto servir de autocrítica ao que a própria França fez nos tempos das invasões (especialmente na África), quanto ao subjugo e preconceito que algumas pequenas comunidades dentro dos Estados europeus ainda passam ou ao que os EUA promovem no mundo nas últimas décadas.
A parte disso, para as crianças que provavelmente não se atentaram a esse complexo pano de fundo geopolítico e histórico, “Asterix e o Domínio dos Deuses” consegue ser uma animação saborosa, mesmo que um pouco arrastada, que renova uma série atemporal.