Há uma forte onda mundial de conservadorismo. Há quem vislumbre o crescimento da descrença, contudo, a doutrinação religiosa tem tido bastante empenho por parte de alguns setores sociais. Como a arte imita a vida, surge (?) o subgênero cinematográfico (ou mesmo gênero, para quem preferir) gospel, cada vez mais se afirmando no mercado e, principalmente, se aprimorando. Se não houvesse público, não seria crescente o número de produções com este viés.

Muitas delas (todas?), no entanto, costumam ser feitas de forma amadora e confundindo doutrinação com aliciamento. Seria exagerado afirmar que “Milagres do Paraíso” é exceção de forma absoluta, mas é correto concluir que não o faz de forma imediata (mediatamente, talvez).

Baseado em fatos reais, trata-se da história da família Beam, cuja vida muda quando a pequena Annabel (Kylie Rogers) revela ser portadora de uma doença raríssima e praticamente incurável. O fato perturba os membros da família e principalmente a fé de Christy (Jennifer Garner), a mãe de Anna.

O roteiro é previamente conhecido por três motivos: o nome do longa, o trailer que fornece um spoiler gigantesco (na hipótese de fingir desconhecer o final) e, é claro, a previsibilidade praticamente inerente ao subgênero. Impossível uma estrutura narratológica mais clássica, de 3 atos: um primeiro momento de fé aparentemente inabalável da família perfeita, um segundo período de questionamentos religiosos em razão do drama sofrido e, por fim, o desfecho já desenhado (retomando a fé). Tudo já sabido.

O script é ainda repleto de subtramas desperdiçadas por exploração rasa, como o abalo familiar e o erro médico. Isso porque o foco é, inegavelmente, a fé, inclusive com questionamentos explícitos sem resposta (“por que um deus amoroso deixaria Anna naquele estado?”). Para evitar tornar-se um melodrama pesado, o longa conta com inserção de personagens humorísticas: começa com o Pastor Scott (John Carroll Lynch, discreto); continua com o dr. Nurko (Eugenio Derbez, razoável) – são os dois protótipos de palhaço –; e tem a zênite com Angela (Queen Latifah, esbanjando talento na função de alívio cômico), uma bondosa garçonete que faz amizade com Anna e Christy.

Falando em zênite, a insistência da diretora Patricia Riggen nas filmagens em contraplongée em direção ao sol é incômoda. As incessantes tomadas ensolaradas remetem ao divino, todavia, é um recurso manjado e dispensável. Novamente investindo no melodrama (seu anterior foi “Os 33”), ela exagera no trabalho, claramente para comover o espectador. Também a trilha sonora tem esta função, incluindo duas cenas específicas de música gospel (clipes). Uma sonoridade mecânica e artificial.

Apesar de tudo que foi dito, o filme não é ruim. A interpretação de Jennifer Garner como Christy é uma das melhores da sua carreira (o que não significa muito). Vive a única personagem formada por camadas, e diversas facetas são exploradas, convencendo sempre com eficácia exemplar na alta carga dramática do papel. Também a infante Kylie Rogers vai bem, mostrando ter sido a escolha certa.

O grande diferencial de “Milagres do Paraíso” é não pretender fazer uma lavagem cerebral no espectador. Além disso, o longa é despido de preconceitos e evita lições de moral baratas. Tem uma mensagem singela de crença deísta: ressalta a importância de cada pessoa ter a sua fé, não que existiria uma fé correta (como faz a maioria). Mesmo deixando implícito o cristianismo, o longa não tem a pretensão de aliciar fiéis (como um certo pseudo-recorde de bilheteria). Quer apenas dizer: a vida é melhor quando se tem fé. É um argumento mais inofensivo e neutro, sem aquela agressividade pedante típica do charlatanismo de algumas igrejas.

Para seu público (deístas, em especial cristãos), o filme talvez seja uma preciosidade. Para o espectador mais alheio, talvez comova (o que não deixa de ser um escopo secundário). Se não tem o algo a mais que buscamos na sétima arte (ao contrário, não agrega nada), também não tem o algo a menos (em especial preconceitos e ideais retrógrados). Talvez seja este um bom começo na área. Afinal, os grandes ensinamentos religiosos são de amor e respeito, não é?