Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 25 de abril de 2016

Amor por Direito (2015): cinema é também ideologia, ótimo quando humanista

De forma paradoxal, o filme tem uma temática progressista e ideologicamente elogiável, mas faz uma abordagem narratológica tradicional, clichê e previsível. É o elenco que salva o diretor e o roteirista.

amor-por-direito-posterTemática e abordagem podem caminhar juntas ou conflitar em um filme. Se uma delas é ruim, dificilmente o resultado final terá qualidade. No caso de “Amor por Direito”, o problema é o seguinte: enquanto a temática é relativamente progressista, a abordagem é extremamente tradicional.

Laurel Hester (Julianne Moore) é uma policial dedicada e discreta cuja vida socioafetiva praticamente inexiste. Isso até conhecer Stacie (Ellen Page), mulher bem mais jovem com quem inicia um romance. O relacionamento cresce e os laços familiares se formam na felicidade até que Laurel descobre padecer de um câncer terminal. Preocupada com o futuro financeiro de Stacie, Laurel abandona sua costumeira discrição acerca da própria vida pessoal e, com a ajuda da companheira, do parceiro laboral e melhor amigo Dane Wells (Michael Shannon) e do ativista LGBTT Steven Goldstein (Steve Carell), luta para que as autoridades concedam pensão após a sua morte a Stacie.

A temática é relativamente progressista. Em termos ideológicos – e cinema é também ideologia –, o longa é mais um daqueles dignos de aplausos (como “Carol”, “Milk: a Voz da Igualdade” e “O Segredo de Brokeback Mountain”, por exemplo). Lamentavelmente, existem muitas pessoas com o pensamento retrógrado segundo o qual filosofias pessoais conservadoras poderiam ditar a vida de todos. Em última análise, cristalizam o próprio preconceito. A homofobia é um verdadeiro câncer contra o qual as pessoas sensatas lutam, e a sétima arte tem o dever de demonstrar o quão prejudicial tal preconceito pode ser. Acima de morais pessoais e muito acima da religião, o senso de justiça (e igualdade) deve prevalecer, e é por isso que a Laurel real lutou.

O problema é que a abordagem do filme é extremamente clichê. O estruturalista Tzvetan Todorov, já na segunda metade do século passado, dividia as narrativas hollywoodianas em 5 fases: estabelecimento do equilíbrio, perturbação do equilíbrio, identificação da perturbação, busca de solucionar o problema e restabelecimento do equilíbrio. Com efeito, são incontáveis filmes que seguem esta lógica tradicional, este é apenas mais um. Em termos narratológicos, a película é bastante conservadora e previsível (e afirmar que a história é real não é fundamento, pois certamente a margem de criatividade foi exercida). Isso sem contar que é argumentativamente raso.

Foi assim que Ron Nyswaner fez a sua parte no roteiro para construir uma obra, no máximo, medíocre. O diretor Peter Sollett também não conseguiu lapidar o diamante que tinha em mãos (pois o argumento é muito bom), obrando na sutileza zero. Ainda no início, quando um colega vê Laurel numa boate gay, já fica óbvio que tudo será didaticamente exposto, de uma forma pueril. Colocar Laurel fumando constantemente bastava para indicar seu perfil psicológico, mas não, tudo fica escancarado. Delicadeza apenas nas cenas românticas.

A sorte de ambos é que outros membros da equipe foram competentes. Penteado, maquiagem e figurino chamam a atenção, principalmente em Laurel, de sorte que se pode afirmar, ainda, que o design de produção – ainda mais considerando o contexto da obra – é fidedigno e verossímil. Visualmente, a imersão é possível. A trilha sonora é também razoável.

Além disso, o elenco sustenta o filme todo. Julianne Moore não é a mesma de “Para Sempre Alice”: apesar de podada temporalmente, quando aparece, é sensacional. Ellen Page não tem o brilhantismo da colega, contudo, consegue comover e convencer o quanto é preciso. Coube à dupla comover o espectador. Teriam conseguido, não fosse a direção anódina. Michael Shannon tem uma personagem com espaço quiçá maior que deveria e praticamente sem conflitos (monótono), porém, é o conforto emotivo (clichê) que o plot adotou. Steve Carell diverte – apesar do perfil caricato da personagem – como alívio cômico em um papel menor que seu talento. Dos conselheiros, destaca-se Bryan Charles (vivido por Josh Charles), cuja função é perfeita na narrativa. Ao contrário, Todd (interpretado de forma precisa por Luke Grimes), colega gay de Laurel, poderia ser muito mais explorado e agregaria muito ao todo.

O resultado é maniqueísta e monocórdico. Nenhuma reviravolta, nenhuma complexidade (além do tema central, evidentemente), uma narrativa insossa. Não obstante, a ideologia pregada – e fazer panfletagem ideológica humanista, ressalte-se, é salutar em tempos de intolerância – é formidável, certamente uma necessidade, inclusive para a realidade brasileira. Enquanto filme, “Amor por direito” é descartável. O seu conteúdo, porém, é construtivo e altamente benéfico. Dificilmente convence (nem mesmo comove) o público conservador. Mas será que isso é possível?

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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