O visual estonteante, a narrativa ágil e o competente elenco compensam o roteiro mais básico, com Jon Favreau entregando uma versão live-action digna do livro original e da animação clássica.
Cerca de quarenta e nove anos depois do lançamento da animação homônima e mais de cento e vinte anos depois do lançamento do livro de Rudyard Kipling que deu origem à franquia, chega aos cinemas esta versão live-action de “Mogli – O Menino Lobo”, sob o comando de Jon Favreau, homem de confiança da Disney que é praticamente um dos fundadores do Universo Cinematográfico Marvel (ele dirigiu os dois primeiros “Homem de Ferro” e foi produtor-executivo de “Os Vingadores”), além de ter certa experiência com filmes infantis eficazes (vide o ótimo “Um Duende em Nova York”).
Favreau lidou aqui com múltiplos desafios: não só tem de revitalizar uma franquia tradicional do estúdio e extremamente amada pelo público com uma inédita versão hollywoodiana com atores, mas também teve de quebrar (mais ou menos) um dos mandamentos dos diretores, que é evitar ao máximo trabalhar com crianças e animais.
Para “sorte” do cineasta e do jovem e estreante ator principal Neel Sethi, de apenas 10 anos, nenhum dos dois teve de trabalhar com animais de verdade nos sets, mas sim com criações digitais de alta tecnologia, com vozes de astros extremamente gabaritados. O resultado foi satisfatório e, visualmente, o filme é maravilhoso. A recriação da selva é um desbunde visual e os animais (ao menos em 95% do tempo) são perfeitos, bem como suas interações físicas com o Mogli de Sethi.
O roteiro de Justin Marks (que cometeu o desastroso “Street Fighter – A Lenda de Chun-Li”) mistura elementos da animação quase cinquentona da Disney e da obra de Kipling. Criado por uma alcateia de lobos e pela pantera Baghera (Ben Kingsley) após a morte de seu pai, o pequeno Mogli vive na floresta de maneira tranquila, mesmo com uma tendência de se utilizar de pequenos “truques” estranhos aos animais.
Tal tranquilidade é rompida quando ele cruza o caminho do tigre Shere Khan (Idris Elba), que fora marcado após um encontro com um humano e busca vingança em Mogli. Mogli é obrigado a fugir da selva, embarcando em uma jornada de auto-descoberta na qual encontra figuras como o bonachão urso Baloo (Bill Murray), a serpente Kaa (Scarlett Johansson) e o rei símio Louie (Christopher Walken).
É impressionante que Neel Sethi tenha entregue uma interpretação tão extrovertida em um trabalho extremamente complexo de interagir com o nada. Divertido e simpático, o garoto dá um show criando um Mogli que não apenas remete àquele da animação, mas que conquista o espectador pelos seus próprios méritos – as cicatrizes colocadas no corpo do pequeno ator inclusive dão mais verossimilhança ao fato do personagem ter crescido na selva.
A animação digital dos animais é impressionante, ainda mais pelo fato de que conseguimos ver alguns dos traços dos atores originais nos seus personagens, especialmente naqueles com maneirismos mais marcantes, como o sempre competente e “único” Christopher Walken (cujo Rei Louie remete ao Coronel Kurtz de Marlon Brando em “Apocalypse Now”) e Bill Murray, cujo carisma transparece na sua malandra interpretação do urso Baloo – especialmente com sua versão de “Bare Necessities” (“Somente o Necessário“, no Brasil).
Idris Elba mostra que seria intimidador em qualquer espécie, com um Share Khan dominador e traiçoeiro e Ben Kingsley empresta a autoridade natural de sua voz à Baghera. Scarlett Johansson empresta sua rouca e sedutora voz a uma versão estranha da serpente Kaa (ela funciona melhor cantando nos créditos finais). Lupita Nyong’o e Giancarlo Esposito fazem os “pais” lobos de Mogli, mas acabam empalidecendo diante do resto do elenco, apesar de um bom desempenho.
Favreau certamente merece todos os créditos ao criar sua selva digital, um mundo que realmente justifica o ingresso mais caro do IMAX 3D – aliás, havia anos desde que um blockbuster lançava mão do 3D de maneira tão efetiva e relevante para a narrativa. O longa tem suas falhas, especialmente com um roteiro limitado que faz “somente o necessário”, mas o trabalho de Favreau e o ótimo elenco transformam o filme em mais um acerto da Disney.