É a vez dos Irmãos Coen satirizarem a grande indústria do cinema norte-americano e ao mesmo tempo parodiar uma de nossas épocas mais paranoicas.
Diferente de alguns cineastas consagrados que após a ascensão tendem a fazer produções maiores e de cunhos universais, Ethan e Joel Coen realizam trabalhos cada vez mais inventivos e dessemelhantes. Obviamente mantendo suas particularidades artísticas tão reconhecidas pelos apreciadores da sétima arte, mas sempre apostando em histórias fora-da-caixa, figuras excêntricas e situações esdrúxulas, deixando os mais diversos públicos perplexos. Logo, é comum fazerem filmes premiados ou acessíveis – “Onde os Fracos não Têm Vez” (2007) e “Bravura Indômita” (2010) – como também comédias inteligentes e obras de temáticas mais delicadas – “Queime Depois de Ler” (2008) e “Um Homem Sério” (2009).
Este novo “Ave, César!” se encaixa melhor no segundo exemplo, justamente por em muitos momentos esquecer a trama central e explorar sem se preocupar o microcosmo referencial armado pelos criadores. O longa se passa em 1950, quando vemos o astro Baird Whitlock (George Clooney, bem a vontade em cena) ser sequestrado no meio das filmagens de uma grande produção por supostos líderes comunistas, com um plano maluco, a fim de comandarem a indústria de Hollywood. Uma clara alegoria à paranoia da época, que assim como outros elementos temáticos, até mesmo alguns conceitos religiosos, são empregados de maneira cômica pelo conhecido tom contido e elegante dos Irmãos Coen, que até lembram em alguns andamentos o grupo Monty Python.
Com essa então essa plot estrutural, os realizadores vão adicionando aqui e ali referências, críticas e homenagens a várias fases do cinema hollywoodiano e ridicularizam inteligentemente acontecimentos e cenas clássicas da mídia que vão de musicais a épicos. A habilidade narrativa e toda carpintaria cinematográfica dos Coen são evidenciadas pela quantidade de estilos e vertentes postas em tela de forma precisa e articulada.
O chamariz da fita é sem dúvidas o seu rigor estético, já presente em tantos outros títulos da dupla como o recente e excepcional “Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum” (2013). A fotografia do mestre Roger Deakins, por exemplo, é primorosa não apenas por sua beleza latente ou mesmo evidenciar pequenos detalhes da competentíssima direção de arte, mas principalmente por mimetizar inúmeros estilos visuais dos já citados épicos e musicais como também westerns e romances.
É bem verdade que o primeiro ato demore um pouco a pegar e o longa de maneira geral possua algumas barrigas e falta de ritmo, até pela quantidade de personagens e tópicos adicionados. No entanto, sua montagem clássica traz um charme incomum à narrativa, soando como se fosse um objeto de outra época – a brincadeira com a edição fílmica é tamanha que vemos aqui uma ponta de Frances McDormand emulando a excentricidade e engenharia dos profissionais daquele tempo.
Aliás, todo grande elenco presente detém funções pontuais durante o conto. É difícil até identificar o verdadeiro protagonista, já que Alden Ehrenreich, conhecido por “Tetro” (2009), tem talvez a passagem mais marcante da fita, pois como astro de faroeste que é se ver no papel de encenar o galã de um romance antigo e encontra problemas até na pronuncia das palavras. Ou mesmo Channing Tatum que, num número musical hilário, começa a canção propositalmente machista e no refrão abraça o lado homoafetivo, com a sensacional tirada do “não temos damas”.
De um modo geral, “Ave, César!” pode ser encarado à primeira vista como um filme cabeçudo ou de nicho, mas que, a bem da verdade, se largamos alguns vícios de consumo e pararmos de focar apenas na historinha central, sem deixar de lado tudo que engloba a obra, como os outros elementos inseridos e mesmo alguns já explanados aqui, obtenhamos sim uma experiência peculiar, mas interessante em muitos pontos. E é exatamente a diversidade o que torna a carreira dos Coen tão rica em vários sentidos.