Criando tensão principalmente nas interações extremamente humanas entre seus personagens, esta continuação (?) de "Cloverfield - Monstro" não tem quase nada em comum com o original, mas mantém o ótimo nível daquele longa.
Em 2008, J.J. Abrams produziu “Cloverfield – Monstro”, filme de Matt Reeves escrito por Drew Goddard (indicado ao Oscar em 2016 por “Perdido em Marte”) sobre um grupo de jovens tentando sobreviver ao ataque de uma criatura gigante que invadiu Nova York, em uma narrativa de found footage (filmagem encontrada) onde uma câmera diegética operada pelos próprios personagens nos conduzia através da trama. Cercado de mistério e aproveitando um pouco do hype da série “Lost”, o filme fez relativo sucesso.
Quase oito anos depois, quando o mundo ainda suspirava com seu “Star Wars – O Despertar da Força”, Abrams anuncia este “Rua Cloverfield, 10”, dirigido com competência pelo novato Dan Trachtenberg e com argumento da dupla Josh Campbell e Matthew Stuecken, que também escreveram o tratamento original do roteiro, depois retrabalhado por Damien Chazelle, responsável pelo maravilhoso “Whiplash – Em Busca da Perfeição”.
A primeira coisa que o público deve saber ao entrar na sala é que, mesmo com esta fita sendo considerada “irmã de sangue” daquela lançada em 2008, os dois longas são bem diferentes. Sai a câmera exclusivamente diegética e entra uma narrativa objetiva mais tradicional. Na trama, acompanhamos a bela Michelle (Mary Elizabeth Winstead), que está a fugir de um relacionamento problemática quando sofre um acidente no meio da estrada.
Ao acordar, se vê presa em um bunker onde o enorme Howard (John Goodman) lhe conta que aconteceu um ataque que devastou o país e que ele a salvou a levando para aquele “local seguro”, onde também está o meio abobado Emmett (John Gallagher Jr.). Obviamente, a moça desconfia da história de que um atentado químico, nuclear, biológico ou até mesmo alienígenas tenham acabado com o mundo como o conhecemos, mas aos poucos a moça se convence. O problema é que, como a publicidade do filme indica, “monstros vêm em todas as formas”.
Ao contrário de “Cloverfield – Monstro”, onde a maioria dos principais momentos de ação se passavam em ambientes externos, praticamente toda a narrativa aqui se passa no bunker de Howard. Graças à competente direção de arte, esse mesmo ambiente se mostra inicialmente claustrofóbica, mas se torna aos poucos menos opressor. Na tomada inicial da cena que mostra a primeira refeição em grupo do trio, Michelle é mostrada ao centro, contra um papel de parede que evoca grades de prisão, mostrando seu estado confinado. Com o passar do tempo, até seu outrora assustador quarto se torna mais aconchegante.
Muito dessa dubiedade em relação ao bunker é um reflexo da poderosa atuação de John Goodman. O ambiente é uma extensão de Howard e o ator mostra aqui um alcance e uma presença que tornam sua performance a primeira do ano a ser considerada seriamente a prêmios.
Isso porque Goodman mostra um alcance incrível, alternando momentos extremamente assustadores e outros reconfortantes – vide a tensa cena das charadas, momento chave para entender o personagem. Uma figura complexa, Howard é incapaz de ver Michelle como uma mulher, tendo uma fixação no infantil que remete às referências que ele faz a Megan, sua filha perdida.
Já Michelle inicia a narrativa em fuga, e é impossível não ver algo de Janet Leigh em “Psicose” na tomada que mostra a moça no carro (e o papel importante da cortina do banheiro acaba também sendo uma referência ao filme de Hitchcock). Mary Elizabeth Winstead faz de sua protagonista uma figura forte e marcante, que sabe se virar mesmo quando encurralada pelas circunstâncias absurdas nas quais se encontra.
John Gallagher Jr., por sua vez, reconhece que tem um papel menor no drama, com Howard funcionando como “escada” para Michelle e um escape para a tensão, mas o ator e o personagem cumprem bem suas funções.
Dan Trachtenberg conduz a trama com tamanha competência e segurança que se torna impossível dizer que este é o seu primeiro grande trabalho como diretor. O cineasta trabalha bem o crescendo da tensão dentro da história e entrega um filme enxuto e sem exageros, o que contribui para o bom desenrolar da narrativa. Atenção ao belo design de som da produção, que desempenha importante papel dentro da trama.
A despeito de um final que dividirá as opiniões do público (pessoalmente, achei-o deveras digno) e da discussão (inútil, a meu ver) sobre se essa história se passa no mesmo universo que o longa de 2008, o fato é que os dois filmes partilham algo importantíssimo: são tramas de gênero bem contadas, tensas e que têm em seus respectivos centros a humanidade de seus personagens. Recomendado.