Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de março de 2016

O Jovem Messias (2016): filme tem originalidade, mas a abordagem é clichê

Apesar do argumento original, o roteiro raso, a direção burocrática e as mensagens subliminares ideologicamente retrógradas resultam em um filme ruim.

the-young-messiah-posterCriar uma narrativa original, diferente do que o público está acostumado, é um caminho que aumenta a probabilidade de se obter um produto de qualidade. Mesmo numa seara já saturada, a originalidade, contudo, não garante nada.

O argumento de “O Jovem Messias” se destaca entre os (péssimos) filmes cristãos que têm aparecido nas salas de cinema – hollywoodianos ou mesmo brasileiros. O longa é uma adaptação de um livro da mesma autora de “Entrevista com o Vampiro”, Anne Rice, que cria uma história de Jesus quando criança – como se sabe, período em que a Bíblia é silente.

O Jesus retratado é uma ingênua e bondosa criança de 7 anos com poderes especiais que sofre bullying de crianças maiores. A partir disso, o fraco roteiro elabora um road movie em que a família do protagonista, que vive em Alexandria – já tinham fugido de Belém para evitar o massacre de crianças determinado pelo rei Herodes –, decide voltar para Nazaré (após a notícia da morte do mesmo rei). O roteiro é fraco porque as personagens não se desenvolvem, pouco crescem na narrativa (isso quando não são incoerentes, como a esposa do tio que só aparece para mudar de ideia, repentinamente, sobre o estado de saúde do marido). Trata-se de um relato despretensioso (em termos cinematográficos) e com objetivo implícito de catequizar, não uma obra de arte que reverbera intelectual ou emocionalmente no espectador. Além disso, o plot é repleto de subtramas mal aproveitadas, como o relacionamento com o primo Tiago (James no original).

Coube a Adam Greaves-Neal interpretar o protagonista, e a falta de carisma do ator mirim foi fundamental para decretar a frieza da narrativa. Ao seu lado estava Vincent Walsh como José e Christian McKay como Cleopas (o tio), que enriquecem o círculo de Jesus por serem mais interessantes. Não obstante, é Sean Bean que realmente agrega ao filme, pois extrai muito do papel de um centurião (Severus) incompetente e indeciso. É a sua participação que mostra a diferença que um bom ator pode fazer. Jane Lapotaire como Sarah tem um bom momento em determinada cena, com um overacting proposital que tira o filme da monotonia.

O diretor Cyrus Nowrasteh não domina a teoria do enquadramento, cometendo equívocos com angulações em contra-plongée sem critério (tanto em Jesus, encarnação da bondade, quanto em Severus, que está do “lado” maligno da trama). Não sabendo criar cenas de ação, a sequência da batalha é risível, com uma péssima coreografia de luta. Também risível é a ausência de sangue, mesmo nas crucificações – o ato por si só deveria ser chocante, sua formulação, contudo, é branda demais. Nowrasteh usa também dos clichês nas elipses, e claramente crê que trilha sonora e luz bastam para influenciar o emocional do espectador. Este foi um dos grandes erros: exacerba em músicas previsíveis que tomam enorme espaço e manipula as luzes, como se isso fosse suficiente para comover. Além de tudo isso, o filme tem cenas demasiadamente demoradas, poderia ser muito mais curto – afinal, o plot tem poucos acontecimentos – se fosse evitado o ritmo lento e cansativo de uma direção que sequer comove.

Para não apenas riscar a superfície, cabe mencionar que, ideologicamente, existe uma mensagem subliminar bastante conservadora e discriminatória em duas frentes. Primeiramente, ao explicitamente associar figuras maléficas (maniqueísmo aceitável) a personagens afeminadas, indicando um viés lamentavelmente preconceituoso. Ademais, as mulheres não têm desenvolvimento na narrativa, ficando marginalizadas e sem poder de decisão (o que inclui Maria). Melhor seria nadar contra a maré e desenvolver a narrativa de maneira inclusiva – em direção ao progresso humanístico.

“O Jovem Messias” tem um argumento inegavelmente original, mas faz uma abordagem clichê e burocrática, quando não retrógrada. É a prova de que originalidade não é tudo.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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