Vazio em qualidades, a estreia de mais um brasileiro em Hollywood prova que estrangeiros na indústria têm um alto preço a pagar.
Diretores brasileiros que pleiteiam um espaço na indústria hollywoodiana sabem que existe uma espécie de pedágio a que devem estar dispostos pagar. Depois do fenômeno “Tropa de Elite” (2007) e antes “Narcos” (2015), José Padilha teve que enfrentar os desafios de um reboot de “Robocop” (2014), do qual saiu com muitas reclamações. Da mesma forma, Heitor Dhalia começou a se internacionalizar com “À Deriva” (2009), para depois fazer o americano “12 Horas” (2012). Até o todo poderoso Walter Salles, depois do poético “Central do Brasil” (1998) teve que se virar na realização do terror “Água Negra” (2005). Provas assim funcionam como uma espécie de seguro, onde os estúdios testam novos diretores, vendo sua capacidade de lidar na prática com projetos de grandes dimensões, calendários estreitos e orçamentos monstruosos.
Com “Presságios de um Crime” (2015), Afonso Poyart é mais um brasileiro iniciando essa experiência de intercâmbio, que no fim das contas pode trazer muitos pontos positivos à realização cinematográfica, vide o sucesso que atualmente os mexicanos (especialmente Guillhermo Del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro Gonzáles-Iñárittu) têm feito com seus projetos ambiciosos e, à certa medida, autorais. Com sua direção dinâmica e moderna, demonstrada no ousado “2 Coelhos” (2012), Poyart tem de tudo para ser bem sucedido por lá, ainda que seu filme de estreia seja um fracasso total.
Confesso que poucos filmes me foram tão difíceis de assistir, uma vez que absolutamente tudo nele está errado. Desde sua trama genérica e totalmente previsível, até às incursões estilísticas do diretor, que tenta dar alguma personalidade à história, nada convence ou anima no longa. Pior: nada nos intriga, e isso é fatal para uma trama que pretende ser um thriller. Quando deveríamos estar na beirada da cadeira, roendo as unhas de tensão, somos arrancados de qualquer imersão ao ver atuações artificiais e um péssimo aproveitamento dos bons nomes do elenco, como Anthony Hopkins e Colin Farrell.
Quanto a trama, ela é tão rasteira que em sua página no IMDb.com consegue ser resumida em apenas uma linha: “Um vidente trabalha com o FBI na caça de um serial killer”. Parece até a série “Hannibal” (2013-2015), a diferença é que é ruim (e não envolve canibalismo). O vidente é John, um cansado Hopkins à beira dos oitenta anos de idade, mas que ainda consegue ser o melhor do filme. O serial killer é Farrell, que depois de ter se reabilitado com boas interpretações, como “True Detective” (2015), aqui volta a um de seus piores momentos. Por fim, os agentes do FBI são os absolutamente inexpressivos Jeffrey Dean Morgan (o Comediante, de “Watchmen”) e Abbie Cornish (de “Sucker Punch”), que poderiam ser fundidos em um só personagem, mas por algum motivo misógino e ultrapassado houve a necessidade de ter um policial homem na liderança.
A narrativa funciona em três eixo temporais, voltando ao passado do misterioso e ressentido John, ainda abalado pela morte da filha, ao mesmo tempo que passeia por visões do assassino em presságios que o vidente tem de seus próximos crimes e, por fim, acompanhando as investigações em andamento. Tentando exageradamente ser disruptiva e não linear, logo torna-se repetitiva e enfadonha, além de oca de significados, embora tente falsear simbolismos com o que há de mais clichê a ser simbolizado: a religião.
Na tentativa sobremaneira de imprimir uma assinatura a obra que pelo menos faça os produtores da indústria reconhecerem seu traço, Poyart transforma os flashbacks e presságios do velho vidente em imagens saídas de um comercial de margarina. O vento que sopra o rosto da menina morta, a criança vestida de princesa em meio aos escombros de uma casa decorada com balões vermelhos, tudo isso polui tantas vezes a narrativa que só evidencia ainda mais a fraqueza do argumento assinado por Sean Bailey e Ted Griffin.
Quanto aos protagonistas, há uma dificuldade em definir quem eles são, ou quantos são e por quanto tempo, uma vez que de início é dado maior foco aos agentes do FBI, que depois da entrada do experiente Hopkins perdem destaque e, no final, ápice das cenas embaraçosas de Colin Farrell (destaco sua gravação projetada na parede deixada para a agente do FBI, que trabalheira!), temos quatro atores como principais sem que absolutamente nenhum deles nos interesse. A certa altura, é simplesmente irrelevante quem vai morrer e quem vai sobreviver.
Exceto por algumas cenas em que o diretor ilustra as múltiplas possibilidades de futuro, cada uma a depender das escolhas e movimentos dos protagonistas, pouco brilho tem o trabalho do brasileiro aqui.
Entendendo que a hierarquia dos produtores sobre resultados, rumo e estilo da trama em Hollywood é absolutamente determinante e às vezes fatal para um projeto, imagino que Poyart tenha sofrido diante das limitações dessa história. Pouco poderia ser feito aqui, mesmo pela mais inspirada direção. Como todo mundo precisa pagar as contas no fim do mês – tanto o diretor, quanto seus atores –, é compreensível que, aventurando-se por um novo mercado, um realizador brasileiro tenha que passar por esse embaraço, antes de começar realmente a fazer arte.