Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Boneco do Mal (2016): ambicioso na teoria, insignificante na prática

Com um roteiro que se esforça ao sair do óbvio, o terror não gera grandes sustos ao contar com uma direção básica, uma narrativa que se perde e má construção das personagens.

boneco-do-mal-posterVerdade seja dita, é difícil encontrar um filme de terror realmente bom e que saia do clichê. Muitos tentaram, raros conseguiram. É provável que todas as suas vertentes já tenham sido exploradas: da loucura à paranormalidade, da traquinagem humana aos espíritos (ou fantasmas). Quem conseguir inovar entrará para a história – alguns nem tentam, “Boneco do Mal” ao menos tentou.

Dividido em três atos – apresentação, interação e encerramento –, o filme conta a história de Greta, que aceita um trabalho de babá como válvula de escape de um pretérito recente traumático. No primeiro ato, Greta conhece Brahms (criança de quem será babá), seus pais e Malcolm (o “menino da entrega”). Descobre que Brahms não é um garoto real, mas um boneco de porcelana tratado como se fosse real por seus “pais”; e que Malcolm é, aparentemente, o único psicologicamente são no local (embora o flerte com a adivinhação na goma de mascar coloque isso em xeque). No segundo ato, o mistério do primeiro se transforma em terror, mas perde fôlego; no terceiro, o filme dá uma guinada e tem seu ritmo acelerado.

Ao contrário do que parece, Brahms não é uma versão masculina de Annabelle e também não remete ao icônico Chucky. O terror do boneco é velado, pois ele não aparece se mexendo para Greta. O sobrenatural que ela enxerga se dá em razão da alteração do estado das coisas, como sons em cômodos em que não está e objetos que mudam de lugar (inclusive o próprio boneco). O resultado é uma atenuação dos sustos, pois “Boneco do Mal” é um terror que não gera muito medo no espectador. Se a expectativa é figurar nos pesadelos, ela se frustra.

O roteiro é esforçado e tem o grande mérito de sair do óbvio: traz um leve plot twist no terceiro ato, compatível com o contexto (e com as pistas). Porém, a tentativa de alavancar o plot é vã, porque a narrativa já estava se perdendo no segundo ato, o que prejudicou a construção das personagens (quesito em que não houve esmero). A cética Greta se torna ingênua, e nem a boa atuação de Lauren Cohan salva a personagem, que ri de quem trata Brahms como um garoto real, mas não tarda a fazer o mesmo. Por sua vez, Malcolm (Rupert Evans) faz um papel paradoxal: herói sem ser heroico e galã cujo flerte é cômico. Porém, ele é relevante como fonte de informações e representa a âncora de Greta na razão que ela deixa de ter. O casal Heelshire promete muito, inclusive pelo bom trabalho de Jim Norton e Diana Hardcastle, contudo, a eles é renegado papel minúsculo. Quando tudo leva a crer que eles vão aquilatar na narrativa, inclusive pelo perfil diametralmente oposto (ela é ríspida e impaciente; ele, calmo, compreensivo e talvez menos alienado), eles são defenestrados do script (exceto numa sutura desnecessária em que Greta e Brahms são abandonados para focar neles). A única sofisticação do roteiro reside no McGuffin (objeto que chama a atenção e dirige a trama, sem ter relevância efetiva) dos sapatos de Greta.

O diretor William Brent Bell faz um trabalho básico, albergando todos os clichês possíveis: slow motion sem necessidade, câmera subjetiva relativa ao boneco e mulher tomando banho (sem isso, parece que o filme não é de terror) que sai só de toalha para entrar em locais até então desconhecidos (até Malcolm zomba de tal atitude). Acerta apenas na filmagem inicial em plano médio para revelar a mansão aos poucos. Quando segue o script das cenas de terror (movimento repentino mais ruído alto), o faz de forma cíclica, causando um desagradável déjà vu.

“Boneco do Mal” é um terror que ambiciona ser diferente, mas que acaba tendo a modéstia necessária para ser insignificante. Não agradará ao público que anseia dar saltos na poltrona, mas tem algum valor ao tentar inovar e surpreender.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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