Reconstrução eficiente e boas atuações sobre um período em que o moralismo nacionalista tentou capitular a criatividade do cinema.
Em 1954, o Oscar de Melhor Roteiro foi para o adorável “A Princesa e o Plebeu”, assinado por Ian McLellan Hunter. Em 1957, o mesmo prêmio foi vencido por “Arenas Sangrentas”, roteiro de um completo desconhecido chamado Robert Rich. Ambos os prêmios, na verdade, pertenciam a Dalton Trumbo (1905-1976), um dos mais proeminentes criadores de histórias para Hollywood em sua Era de Ouro, forçado a assinar suas obras sob pseudônimos, uma vez que seu nome figurava na Lista Negra da indústria, suspeito de “atividades antiamericanas” por ser declaradamente comunista em plenos anos de Guerra Fria.
Dirigido por Jay Roach, cuja carreira esteve mais ligada a comédias, “Trumbo – Lista Negra” acompanha os anos de perseguição ao escritor, que chegou a ser preso por desacato ao Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso Nacional, e a repercussão em seu trabalho e na vida familiar. Vivido com maestria por Bryan Cranston – que prova ser muito maior do que Walter White (da série “Breaking Bad“) –, talvez o grande êxito do roteiro de John McNamara (a partir do livro de Bruce Cook) esteja em mergulhar profundamente em seu fascinante protagonista, valorizando a força de seu ator principal, indicado ao Oscar pelo papel.
Uma rápida pesquisa revela que Dalton Trumbo era tão caricato na vida real quanto sua representação em tela. Inicialmente, podemos pensar que Cranston está brincando de fazer comédia, com aquelas expressões intensas, roupas exageradas e sotaque curioso. Porém Trumbo na vida real era algo como o velhinho de “Up: Altas Aventuras” (2009), com um vício em anfetaminas, cigarros e um pé no alcoolismo. Contraditório por ser um comunista burguês, só sabia trabalhar direito quando esparramado na banheira. Sua persona foi tão fascinante quanto sua história, e a vida que o ex-Breakind Bad dá a ele domina o filme do começo ao fim, a ponto de fazer a vencedora do Oscar Hellen Mirren ter que lutar para se fazer notar na tela, numa atuação um tanto exagerada. Quem ganha é Diane Lane, interpretando sua esposa ela divide boas cenas com ele; e também Michael Stuhlbarg, pontual no papel do ator Edward G. Robinson, talvez esnobado de uma indicação como coadjuvante.
Ainda que passeie bastante pelos bastidores da indústria cinematográfica, o filme é sobretudo um drama pessoal de um pai de família que, perseguido por seu idealismo, deixa de ser o roteirista mais bem pago da MGM para perder o emprego e ser proscrito, junto de outros colegas, como inimigo de seu próprio país. No pano de fundo está, portanto, uma discussão sobre o patriotismo, aquilo que Oscar Wilde chamou de “a virtude dos depravados” e que até hoje parece ser um valor tão caro aos americanos. Nas boas passagens que reconstroem, com o auxílio de imagens de arquivo, as arguições do Congresso americano aos famosos indiciados por suspeitas de ligações com a União Soviética, vemos que muito do discurso em defesa desses ideais americanos estavam ancorados na pura e simples normatividade moralista. Nesse sentido, Hedda Hopper (Mirren) é a personificação dessa postura, com uma ex-atriz mediana que notabilizou-se naqueles anos por suas colunas sociais e também intensa articulação contra o “perigo comunista”, ao lado de figuras reacionárias como os atores Ronald Reagen e John Wayne, este último também revivido no filme.
Traições, mudanças de lado, dificuldade financeiras e amarguras são alguns dos temperos que dão profundidade a história, que talvez só falhe por não destacar como deveria a tristeza de um artista que passa anos impedido de assinar suas obras. Nos seus momentos de maior agonia, Trumbo aceita uma série de trabalhos por dinheiro, história malucas que tinha que corrigir ou escrever, do tipo “O Alien e a Fazendeira”, produzidas pela King Brothers (um dos irmãos King é vivido pelo querido John Goodman), mas que lhe garantiram sustento até que gradualmente pudesse sair das sombras graças a coragem de artistas como Otto Preminger, com quem fez “Exodus” (1960), e Kirk Douglas, que com “Spartacus” (1960) começou a iluminar a absurda lista dos banidos. Ainda assim, até a restauração pública total de sua imagem e reconhecimento pelo seu trabalho foram décadas, algumas compensações tendo sido feitas apenas postumamente, como o devido crédito e Oscar pelo roteiro de “A Princesa e o Plebeu”.
Assim, “Trumbo – Lista Negra” retrata de maneiro muito mais eficiente do que outros filmes sobre os bastidores de Hollywood um período importantíssimo de perseguição e intolerância na capital do cinema, com consequências diretas a produção cinematográfica, afetando a vida de centenas de pessoas. O martírio dessa figura icônica, sempre enfrentado com bom humor e coragem, é simbólico ao mostrar que mentes geniais não podem se deixar aprisionar na gaiola de ferro de estúpidos moralismos.