Lotado de referências a quadrinhos e aos próprios filmes recentes de super-herói, "Deadpool" tem tudo para agradar seu público.
Dizer, sobre um filme de super-herói, que o ator viveu apaixonadamente aquele personagem e que todos (elenco e produção) estavam extremamente envolvidos na trama é chover no molhado. Choverei no molhado, entretanto. Deadpool precisou desse clichê para conseguir funcionar.
Em 2009, Ryan Reynolds viveu uma espécie de “Deadpool” no primeiro filme solo do Wolverine. Terrível! Erro dos envolvidos que não sabiam o que estavam fazendo. Depois, tentaram o Reynolds como “Lanterna Verde”; um título que deslizou em pouco, mas desabou bonito. Pois bem, logo no início, o protagonista do novo “Deadpool” tira onda consigo mesmo, e não só por conta desses dois fracassos. Uma defesa fácil, e sempre eficiente, para ganhar a audiência: mostre e caçoe o seu defeito antes que alguém o faça. Agarrando-se a essa tática, a abertura do filme é, de longe, um dos melhores momentos de toda a experiência. Divertida e estranha, ela dá o tom. Ou seja, se não gostares desse início, esquece.
Em uma elaboração esperta do roteiro, a dupla Rhett Reese e Paul Wernick (ambos responsáveis por “Zumbilândia“), contam a origem do super (mas não necessariamente herói) em forma de flashback entrelaçado com cenas que pertencem à linha temporal do presente. Trocando em miúdos, mostraram o herói em um curto espaço de tempo do presente e engordaram o roteiro com o passado deste. Temos, pois, um balanço ideal do que é ação, origem e até romance (explícito, se é que me entende). O estilo, apesar de não ser inovador, funciona por contar com o auxílio do personagem poder quebrar a quarta parede (quando alguém do filme fala diretamente ao espectador, como o Frank do seriado “House of Cards” ou Ferris Buller de “Curtindo a Vida Adoidado“). A balança do roteiro só fica descompensada com relação às piadas; o exagero e a extrema repetição do mesmo estilo (adolescente e sexual) chegam a chatear e enfraquecem o riso ao passo que o enredo se desenrola.
Apesar do filme ser focado, obviamente, no Wade Wilson e em seu Deadpool, outros personagens são apresentados cada um com sua importância. A brasileira Morena Baccarin vive Vanessa, o par “romântico” de Wilson; Baccarin é figurinha constante no universo das séries, participando de “Homeland”, “V: Visitantes” e “Gotham”. T.J. Miller (da série “Sillicon Valley”) interpreta Weasel, o alívio cômico do cômico (?), um personagem importante, uma vez que fora utilizado para aprofundar os sentimentos de um Wilson pós-Deadpool. Dois X-Men foram colocados no roteiro, Colossus (Stefan Kapicic, debutante em Hollywood) e Negasonic (Brianna Hildebrand, em seu primeiro papel relevante no cinema). Eles servem tanto para inserir o Deadpool em um universo maior, como para oferecer ao diretor mais opções na construção das cenas de luta. Ah, e se Weasel é o alívio cômico do cômico, o taxista vivido por Karan Soni é o alívio cômico do nonsense cômico – entenda isso como quiser.
Convicta de que não poderia exagerar em produção, a Fox contratou Tim Miller para a direção. O estreante tem origem nos efeitos especiais, tendo trabalhado no filme “Scott Pilgrim Contra o Mundo” e nos games “Mass Effect 2” e “Star Wars: The Old Republic”. A escolha, além de econômica, é interessante por apresentar um profissional visivelmente preocupado com estética e estilo modernos. A aposta no estilo urbano e jovem foi bem incorporada ao filme por Miller e Ken Seng (“Quarentena”), o diretor de fotografia. Quando Deadpool está em cena, a paleta de cor é mais quente, mais saturada, o contrário de quando estamos vendo a trama através de Wade Wilson, com uma paleta exatamente oposta, quase grunge. As cenas de ação não apresentam nada de novo. Nisso, Miller foi extremamente conservador ao fazer o que já é aceito pelo mercado: transições entre câmera lenta e câmera acelerada a fim de dar dinâmica ao embate ao mesmo tempo que se mostra vários detalhes.
Consistente ao que se propõe, “Deadpool” precisa de um olhar bem leve e pouco crítico para agradar em sua totalidade. Se a proposta é ser despojado, que ele seja visto da mesma maneira. As piadas sexuais em exagero incomodam, mas há público para isso. A falta de originalidade no ato de lutar aparece, mas isso é pouco, pois, aí sim, as piadas salvam. É uma dualidade constante entre o que é errado ou divertido, certo ou errado, honesto ou nonsense. Se desde o início o filme não se dá ao respeito, não levá-lo a sério é a principal dica.
Corajoso, “Deadpool” é extremamente voltado para o público nerd, que conseguirá captar todas as referências propostas na tela. São tantas, que é preciso não ser apenas conhecedor dos quadrinhos, mas também estar ciente dos pormenores do universo dos filmes de super-herói como um todo.
PS: Tem uma cena pós-créditos bem divertida e que dá o tom para a continuação.