Jamais aproveitando as oportunidades sarcásticas que o contexto escolhido lhe permite, longa pouco diverte e não passa de mais uma animação mediana e esquecível.
A premissa de se fazer um longa de animação tendo como base uma das mais importantes histórias bíblicas é, no mínimo, curiosa. A chance de causar polêmica por motivos pequenos é considerável, mas acredito ser este o melhor gênero para propor críticas e reflexões de maneira discreta, sem chamar atenção demais para si mesma e passando, em termos, despercebidas pelo grande público. Na superficialidade, todavia, este “Epa! Cadê o Noé”, de origens europeias, pouco explora as possibilidades sarcásticas de sua trama e cenários, preferindo se assumir como mais uma animação mediana e esquecível, muito embora também possua méritos destacáveis.
Com condução de dois diretores, Toby Genkel e Sean McComarck, aqui acompanhamos a trajetória de dois Nestrians, Dave e seu filho Finny, que buscam um lugar na conhecida arca bíblica de Noé. Não aceitos na “seleção” pré-organizada pelo rei dos animais, um leão, ambos buscam uma alternativa para se infiltrar na grande embarcação que salvará a todos do grande dilúvio que acabará com o mundo. Para isso, eles contam com a ajuda à contragosto de dois Grymps, Hazel e sua filha Leah, conseguindo se esconder dentro da arca a tempo. Tudo parecia bem até Leah e Finny, fugindo dos vigilantes do local, acabarem fora da arca e não zarpando com o resto dos animais e da própria família.
A partir daí, inicia-se basicamente dois filmes distintos. O dos pais tentando fazer com que a embarcação dê meia volta e consiga resgatar seus filhos, e o das crianças buscando sobreviver em uma terra cada vez mais inundada pela enchente que cobrirá o mundo. Ainda que se inspire claramente no clássico da Pixar “Procurando Nemo”, “Epa! Cadê o Noé?” passa longe de o sê-lo, não conseguindo sustentar as duas histórias paralelas com a mesma eficiência, tornando o ritmo da obra um tanto quanto irregular. Quando acompanhamos Finny e Leah desenvolvendo toda uma relação para sobreviver, apesar das diferenças, o resultado é bastante satisfatório, aliando diversão e a seriedade que o contexto exige na medida certa; quando vemos Dave e Hazel buscando tomar o controle do navio para buscar seus filhos, por outro lado, os efeitos são para lá de medíocres, para não dizer monótonos e sem graça.
Não que o roteiro (escrito a oito mãos por Richie Conroy, o também diretor Toby Genkel, Mark Hodkinson e Marteinn Thorisson) tenha lá tanta destreza para arrancar risadas de seu público, diga-se de passagem, mas é inegável a maior força e grau de entretenimento quando as duas crianças Grymp e Nestrian estão em tela. Inclusive é desse segmento que surge a maior beleza da obra: a poética metáfora das duas vidas jovens e inocentes deixadas para trás, sozinhas em mundo caótico, enquanto a embarcação com as supostas criaturas “puras” marcham rumo à salvação. Evidente que, no terceiro ato, descobrimos que as coisas não são exatamente como aparentam, mas este foi o mais próximo que o longa chegou de discutir qualquer elemento mais áspero da história que os realizadores escolheram como pano de fundo para sua aventura, então acredito que vale o destaque.
O desfecho encontrado para amarrar as duas linhas narrativas é, inclusive, até certo ponto, criativo e coerente com o que foi apresentado pelo script até então, mas também pouco corajoso na hora de criar um envolvimento emocional maior com quem está do lado de cá da tela. Se Marlin e Nemo se encontrando após ficarem um oceano de distância um do outro é uma das grandes cenas da história do gênero, o reencontro de pais e filhos, aqui, é no máximo “ok”, e isso muito por culpa da falta desse laço afetivo melhor construído. O fato é que simplesmente não nos importamos tanto.
De todo modo, o que temos é uma animação apenas mediana, que jamais chega a aproveitar as oportunidades que a boa premissa lhe permite.