Um filme que deve ser lembrado não apenas pelos temas que aborda com eficácia, mas também em relação à seus atributos cinematográficos.
À primeira vista, o novo trabalho de Adam McKay, conhecido por realizar comédias como “O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy” (2004) e “Quase Irmãos” (2008), deve curiosamente soar como o filme mais difícil ou cabeçudo dessa nova leva de indicados nas premiações, tanto pelo tema sério que aborda com pujança quanto pelas citações técnicas e abreviações (SHORT, CDS, CDO) que permeiam os diálogos. O longa basicamente discute a crise econômica mundial de 2008 e aponta casos absurdos envolvendo grandes corporações, destacadas como grandes culpadas e até oportunistas diante da situação catastrófica.
Mas é só darmos uma chance que notamos os artifícios peculiares utilizados pelo cineasta ao decorrer da projeção. Para melhor entendimento do público, McKay insere inicialmente uma narração em off do personagem Jared Vennett, interpretado por Ryan Gosling – este que estava afastado das câmeras devido a um longo período de férias que, segundo o próprio, decidiu tirar para refletir sobre a carreira e colocar alguns projetos pessoais em dia. Vennett é um corretor que, assim como o empresário Michael Burry (Christian Bale), percebe que o sistema imobiliário dos Estados Unidos está prestes a quebrar e oferece aos seus clientes a oportunidade perfeita de comprar títulos hipotecários, jogando contra o próprio mercado.
Um dos clientes é Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora e um sujeito geralmente estressado e psicologicamente abalado devido a morte do irmão. Desconfiado da proposta de Vennett e carregando ainda um pingo de valor moral, Baum e mesmo seus funcionários parecem descrentes ao analisar o caso, já que nunca antes alguém havia apostado contra o sistema e levado vantagem. E é no mínimo revoltante entender como funciona tal negócio e mais ainda ver que o raciocínio pode mesmo dar errado, e que para se livrarem do fiasco todos os envolvidos façam atos ainda mais tenebrosos.
Sendo você acostumado com o mercado, imagine-se investindo milhões em um produto absolutamente ambicioso e depois de constatar que tal material não trará retorno algum venderia o troço para novos investidores sem que estes soubessem no que estavam se metendo. E depois de tudo isso ainda aparecesse diante da mídia falsamente horrorizado com a capacidade dos novos donos em lançar algo tão desastroso, apontando-os como verdadeiros canceres dentro do sistema. Esta é apenas a visão crua do que aconteceu entre empresários e magnatas na época da crise aqui discutida e que fez pessoas perderem seus imóveis e empregos, deixando grande parte da sociedade à beira de um colapso.
E é interessante como Adam McKay explana todos estes fatos com uma linguagem completamente atípica, que apesar de apresentar andamentos quase documentais, cheios de zooms e cortes secos, é mais semelhante a longas como “O Lobo de Wall Street” (2013) e a série “House of Cards” (2013), pelo cinismo latente, do que a títulos mais sérios que abordaram o assunto como o ótimo “Margin Call – O Dia Antes do Fim” (2011) e o elogiado documentário “Trabalho Interno” (2010). E mesmo que os tópicos sejam tristes e delicados – que faz questão de lembrar – o tom cômico e quase surreal está sempre presente como uma marca do diretor. As aparições de nomes como Margot Robbie e Anthony Bourdain são hilárias e pontuais. Bem como o texto de McKay e Charles Randolph mostra-se rico e enxuto. E o trabalho do montador Hank Corwin seja um show a parte, tendo que lhe dar com vários inserts visuais, flashbacks e recortes jornalísticos, fazendo isso de maneira orgânica.
Possuindo um elenco de luxo, a obra apresenta uma boa cartela de competentes atuações, a começar por Steve Carell, um ator que parece repetir trejeitos, mas que nunca deixa de convencer e traz performances geralmente marcantes, o caso de seu instável Adam McKay. Ryan Gosling parece também à vontade em cena e tem momentos explosivos que fará os fãs relembrarem papéis mais antigos. No entanto é Christian Bale quem rouba a cena, onde praticamente atuando sozinho – pelo menos em quadro – o ator novamente revela uma nova face na carreira ao interpretar um Burry inquieto e humanamente errático, um sujeito estranho que tem um olho de vidro e sofre da síndrome de Asperger, tendo dificuldade de comunicação pessoal, como o próprio lembra num andamento da fita. Brad Pitt, que também é um dos produtores do longa, aparece discretamente no papel do agora recluso Ben Rickert.
Ainda que não seja um filme para consumo do grande público – deveria como forma de denuncia e protesto – “A Grande Posta” deve ser lembrado não apenas pelos temas que aborda com eficácia e responsabilidade, mas também em aspectos cinematográficos, pois possui uma direção segura, um texto rico em temática e estilo, atuações marcantes e uma montagem virtuosa que deve concorrer e abocanhar alguns prêmios. Um título que merece a boa repercussão que tem causado na crítica e precisa ser conferido.